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Com a cotação do barril do petróleo em disparada no mercado internacional, ganhou força no governo – e em parte do mercado e do Congresso – o discurso de que a privatização ou a desestatização da Petrobras (PETR3;PETR4) poderia ser uma solução para evitar o constante reajuste dos preços dos combustíveis, que impacta negativamente todos os setores da economia.
Tanto que o Ministério de Minas e Energia formalizou o pedido, ao Ministério da Economia, de inclusão da Petrobras na carteira do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), a etapa inicial para o processo de uma eventual privatização da companhia. A deliberação pelo Conselho do PPI ocorrerá em 02 de junho, diz o comunicado do ministério, enviado à petroleira.
Por trás da iniciativa, está o raciocínio de que a “quebra do monopólio” estatal poderia trazer uma maior concorrência para o mercado de combustíveis, fazendo com que novos competidores privados, em meio a essa disputa pelos consumidores, buscassem oferecer preços mais baixos nas bombas dos postos.
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Segundo o ministério, o processo de desestatização da Petrobras é fundamental “à atração de investimentos para o País e para a criação de um mercado plural, dinâmico e competitivo, o qual promoverá ganhos de eficiência no setor energético e uma vigorosa geração de empregos para os brasileiros”.
No entanto, o problema é que a desestatização da Petrobras e o preço de combustível são temas diferentes, embora apareçam juntos como se fossem interdependentes. “É como se a privatização da empresa fosse impedir a paridade de preço com o mercado internacional”, diz Elena Landau, economista e ex-diretora de privatização do BNDES.
A discussão com essa ambiguidade acaba gerando críticas sobre o comportamento do governo em relação à Petrobras – e vice-versa. O presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a ser um defensor da privatização da empresa, dizendo que a Petrobras “não pode ser uma semiestatal com monopólio no Brasil”.
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Enquanto isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ressaltou que, se Jair Bolsonaro for reeleito, com um Congresso com perfil mais de centro-direita, vai conseguir privatizar a Petrobras.
“A privatização da Petrobras leva no mínimo quatro anos. Tenho uma ideia de fatiar a Petrobras. Realmente não está dando certo atualmente”, declarou o presidente, um dia após o envio da estatal ao PPI.
Congresso é peça-chave
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) é mais um defensor da privatização da Petrobras. “Ela é uma empresa estatal. Se ela não tem nenhum benefício para o Estado nem para o povo brasileiro, que vive reclamando todos os dias dos preços dos combustíveis, que seja privatizada”, afirmou.
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Conforme ele, o governo federal pode, por meio de um projeto de lei enviado ao Congresso e em uma discussão rápida, vender suas ações, detidas por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que representam cerca de 14% do capital, e, assim, deixar de ser sócio majoritário da estatal petrolífera.
Lira aventou essa possibilidade, mas ponderou ser pouco provável que isso prospere neste momento, às vésperas das eleições. “Temos como fazer isso agora, privatizar a Petrobras? Penso que não. Pela polarização, pela necessidade de um quórum específico de mais de 308 votos, nós não teremos condições agora”, declarou.
“Mas nós, agora, teremos condições, se o governo mandar, de vender parte das ações da Petrobras, isso subsidiado por um projeto de lei de maioria simples, no Congresso Nacional, e o governo deixa de ser majoritário”, emendou o deputado
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Enquanto isso, ele defende tornar mais transparente a fórmula de cálculo e valor dos combustíveis cobrados pela estatal. Além disso, afirma que a prioridade da Câmara neste momento é encontrar uma forma de usar os dividendos distribuídos pela Petrobras a acionistas para subsidiar o preço dos combustíveis.
Para David Zilberstein, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), porém, há falta de “explicação plausível” à privatização. “Não estou fazendo juízo de valor, se é bom ou ruim, mas qual é a lógica da privatização”, questiona Zilberstein. “Vai privatizar, vai passar de um monopólio estatal para o privado. Mas quanto vale?”
Engenheiro na área de energia e ex-diretor da Petrobras, Ildo Sauer acredita que o processo político impulsionou Bolsonaro a querer rediscutir a privatização, para atender aos anseios dos agentes do mercado que o apoiam e, ao mesmo tempo, arrefecer as críticas pelos sucessivos aumentos de preço da gasolina.
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“O discurso de Bolsonaro é esperteza política. O processo político é a representação da disputa econômica”, afirma. “Mas o processo eleitoral nosso elege um presidente que tem influência decisiva na nomeação dos dirigentes da Petrobras”, reforça ele.
O que acontece se privatizar a Petrobras?
Apesar de todas as controvérsias, a Petrobras já vem tendo partes privatizadas, dentro de seu plano de desenvestimentos. Segundo estudo do Observatório Social da Petrobras (OSP), organização mantida pela Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), a estatal já arrecadou mais de R$ 260 bilhões com venda de ativos desde 2015, em valores atualizados pela taxa de câmbio e pela inflação.
Veja o fatiamento da Petrobras desde 2015
Segmento | Valor em R$ mi* | Fatia |
Biocombustíveis | 2.392,1 | 0,91% |
Distribuição/revenda | 52.051,8 | 19,78% |
E&P | 97.663,6 | 37,11% |
Geração de energia | 471,6 | 0,18% |
Petroquímica | 1.955,2 | 0,74% |
Refino | 14.466,5 | 5,50% |
Transporte | 68.291,1 | 25,95% |
Outros | 25.905,1 | 9,84% |
Total | 263.197,0 | 100,0% |
Fonte: Observatório Social da Petrobras (OSP); *atualização pela taxa de câmbio e pela inflação
Um dos pilares da indústria petrolífera, a área de distribuição já não está mais sob o controle da estatal, desde que a Petrobras vendeu suas ações na Vibra Energia (VBBR3), em meados do ano passado, quando a subsidiária ainda se chamava BR Distribuidora.
Agora, a empresa tenta vender oito de suas 13 refinarias, a partir de um acordo assinado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para aumentar a concorrência em refino – no entanto, as únicas negociações concluídas foram da Refinaria de Mataripe (ex-Rlam), na Bahia, vendido para o fundo Mubadala, e a Lubnor, no Ceará, negociada com a Grepar Participações.
O último pilar da Petrobras – além de distribuição e refino – é o de exploração e produção (E&P), o qual a empresa também tem feito desinvestimentos de alguns campos considerados de baixa rentabilidade.
Na distribuição de combustível, quando muito, a Petrobras tinha uma margem de Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 10%, explica Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. No refino, a margem de Ebitda na estatal é de aproximadamente 15%.
Na área de exploração e produção de petróleo, nos dois últimos trimestres do ano passado, as margens alcançadas foram de cerca de 70%, afirma o analista, mostrando que “é muito mais lucrativo a Petrobras se especializar na cadeia de cima do petróleo”.
A mudança da Petrobras, no que tange a desinvestimentos e investimentos, mostra forte alocação de capitais em E&P. E os resultados do balanço de 2021 indicam que o movimento tem sido positivo para empresa, com Ebitda 64,1% maior e a relação dívida líquida-Ebitda 50,9% menor em comparação a 2020.
Vendas por presidentes desde 2015 (em R$ milhões*)
Dilma Roussef (PT) | R$ 28.320,21 | 10,76% |
Michael Temer (PMDB) | R$ 74.844,18 | 28,44% |
Jair Bolsonaro (PSL, PL) | R$ 160.032,62 | 60,80% |
Fonte: Observatório Social da Petrobras (OSP); *atualização pela taxa de câmbio e pela inflação
Para privatizar a Petrobras hoje, portanto, o cenário de que ela gera somente gastos ao Estado e dá prejuízo já não é mais valido. “Ela tem função de pagar dividendos, que vai para o orçamento primário da União”, lembra Elena Landau. A economista ressalta ainda que a empresa investe, domina tecnologia, cria empregos e distribui resultados, inclusive à sociedade.
Mas caso ela seja vendida à iniciativa privada, Landau acha que é preciso usar o recurso “para fazer uma política social agressiva que o Brasil está precisando”. Não se tem valor exato de quanto a Petrobras arrecadaria com a privatização, mas seriam centenas de bilhões de reais que iriam para o caixa da União.
Mesmo que venda os ativos da Petrobras, ressalta-se que, pela Constituição, “constituem monopólio da União a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluido”. Portanto, o petróleo como recurso natural segue nas mãos da União.
As maiores vendas de ativos da Petrobras desde 2015 (em R$ milhões*)
Presidente | Ano | Ativo | Valor atual corrigido* |
Jair Bolsonaro | 2019 | TAG | 43.046 |
Jair Bolsonaro | 2020 | Ações BNDES | 25.326 |
Michel Temer | 2017 | NTS | 22.074 |
Michel Temer | 2017 | Campo de Roncador | 12.311 |
Jair Bolsonaro | 2021 | Ações BR | 11.807 |
Dilma Rousseff | 2016 | Bacia de Santos | 11.109 |
Jair Bolsonaro | 2019 | BR distribuidora | 11.045 |
Michel Temer | 2018 | Campo Lapa | 10.586 |
Dilma Rousseff | 2015 | Gaspetro | 10.435 |
Jair Bolsonaro | 2021 | RLAM | 9.691 |
Fonte: Observatório Social da Petrobras (OSP); *atualização pela taxa de câmbio e pela inflação
Privatização da Petrobras: prós e contras
A venda das refinarias da Petrobras em curso tem prós e contras e ajuda a explicar a queda de braço com relação à privatização da empresa.
O ex-presidente da ANP, David Zilberstein, acha que o setor de refino já deveria ter sido aberto à livre concorrência há pelo menos 20 anos, o que evitaria “toda essa discussão” com relação ao preço do combustível.
“Essa confusão só está ocorrendo por que é véspera de eleição. A gasolina, se você contar inflação e câmbio, ela não está mais cara do que estava há um ano”, afirma. “Político faz pressão para ganhar eleição”
Elena Landau, outra defensora da concorrência no setor, destaca que “é importante que sejam vendidas todas as refinarias”. “O problema das refinarias é que cada vez que ameaçam controlar preço, os investidores perdem interesse”.
Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibesp) e do Observatório Social da Petrobras, acha que a privatização cria um monopólio regional, já que não vê o setor privado interessado em criar unidades de refino em regiões onde já existem refinarias em operação. Ele vê a Petrobras como estratégica ao Estado, até para o controle de preços do combustível.
As refinarias da Petrobras tem capacidade atual de processamento de 2 milhões de barris/dia (não considerando mais a Rlam, que foi vendida). O consumo brasileiro gira em torno de 2,5 milhões barris/dia.
“Estamos com dependência de aproximadamente 200 mil barris/dia de importação de derivados”, explica Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras (2005-2012). Ele, que é contra os desinvestimentos feitos pela Petrobras e defende o controle total do petróleo pelo Estado, não vê o setor privado interessado em cobrir essa lacuna nem construir uma unidade para refinar localmente o petróleo.
Assim, a privatização ou não da Petrobras, basicamente, é uma disputa de quem pensa em livre mercado e concorrência e aqueles que consideram a empresa como instrumento de soberania do Estado.
A quem interessa a privatização da Petrobras?
O ex-presidente Petrobras faz uma conta: o custo de extração e produção da Petrobras está em cerca de US$ 12 o barril; com os custos indiretos, que são os royalties e outras transferências, chega a US$ 29 o barril; se colocar os custos de refino e distribuição, que deve estar em torno de US$ 8, o preço final do barril chega a US$ 37.
“O barril está sendo vendido hoje a mais de US$ 100. Então, se tem uma gigantesca margem, chamada renda petroleira”, explica Sérgio Gabrielli. Para ele, o que está em jogo é justamente essa renda petroleira, numa disputa que envolve os acionistas da Petrobras, o setor privado e governos nas três esferas.
Ildo Sauer compartilha que há um interesse grande nesse excedente extraordinário da Petrobras e envolvem vários atores dispostos, pelo menos, a ter uma parte desses ganhos assegurada. Sauer é um dos que defendem a mão do Estado na Petrobras por que na correlação de forças, os interesses nacionais deveriam ser privilegiados, destacando tratar-se de um princípio da Constituição.
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Privatizar a Petrobras ajudaria a baixar o preço da gasolina?
No mais, não há nenhuma garantia de que a privatização vai reduzir o preço da gasolina. “Como se o setor privado fosse adotar preço diferente ao praticado no mercado internacional”, afirma o ex-diretor-geral da ANP.
Conforme pesquisa Ipespe de maio, a inclusão da Petrobras no programa de desestatização do governo foi rechaçada por 49% da população, que se diz contrária à privatização, enquanto 38% afirmam ser favoráveis.
Para 44% dos entrevistados, os preços dos combustíveis aumentariam ainda mais no caso da privatização da empresa.
Caso haja segurança de que a privatização levaria a queda no preço dos combustíveis, no entanto, 67% seriam favoráveis à venda da companhia.
Segundo David Zilberstein, se Petrobras não praticar o preço de paridade de importação (PPI) ela corre riscos e vai acabar precisando de dinheiro público para sobreviver.
Sérgio Gabrielli lembra que avançar na privatização não significa ter uma política de preços diferenciada dos preços internacionais.
Já Ilan Arbetman acha que a redução do preço da gasolina passa necessariamente em dar encaminhamento a uma velha conhecida que nunca sai do papel: a Reforma Tributária.
“A política de preço é a mesma desde 1997 e não a de 2016, como se fala”, afirma Ildo Sauer. Em 2016 foi quando o PPI foi implementado pelo governo Temer.
O engenheiro lembra que em 1997 foi sancionada a chamada Lei do Petróleo que diz que a Petrobras deve operar seguindo políticas e regras desse mercado de caráter global. “A lei de 1997 pode mudar. Mas ninguém pode fazer o que quer”, finaliza.
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