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SÃO PAULO (Reuters) – Há alguns anos, era comum ouvir que a participação do confinamento representava 10% da criação total de gado no Brasil, mas essa estratégia de terminação intensiva tem avançado para ocupar um quarto do volume de abates no país, contando com um importante fator de impulso: a demanda da China, que requer um boi mais jovem e de carne mais tenra.
Embora o mercado interno responda pela maior parte do consumo da carne produzida no Brasil, ou cerca de dois terços do total, a China leva em torno de 50% dos embarques externos do país, maior exportador mundial do produto. Isso tem incentivado o confinamento com ração, um sistema mais caro –e mais eficiente– do que o boi de pasto, com efeitos na cadeia produtiva e para consumidores.
“Os maiores volumes de gado confinado são direcionados para frigoríficos exportadores, já que a China só compra animal com 30 meses de idade, e a gente só consegue isso com terminação em confinamento ou em sistema semi-intensivo”, disse à Reuters o gerente técnico de confinamento da companhia de nutrição animal DSM, Hugo Cunha.
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O chamado “boi China” tem preços de 20 a 30 reais por arroba mais elevados que o gado convencional e contribuiu para estimular a terminação de gado intensiva, assim como para a alta de preços da carne, vivenciada nos últimos anos no Brasil. E os números comprovam a mudança do perfil da pecuária.
Em 2021, foram abatidos 27,54 milhões de cabeças de bovinos no Brasil, conforme dados do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Para o mesmo ano, o Censo de Confinamento DSM, uma referência no mercado divulgada na última semana, indica que 6,5 milhões de bovinos foram terminados em confinamento. Isso significa que cerca de 23,7% dos animais abatidos vieram da pecuária intensiva.
Aplicando a mesma lógica para 2016, o IBGE identificou abates de 29,7 milhões de cabeças de gado, contra 3,75 milhões de animais confinados, segundo a DSM. Desta forma, a participação do confinamento era de 12,6% –uma diferença de mais de 10 pontos percentuais no espaço de tempo de cinco anos.
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Em 2019 o mercado iniciou uma guinada nas exportações de carne bovina, na esteira de uma importante rodada de habilitações de plantas frigoríficas pela China. Somente naquele ano, 22 unidades foram habilitadas em duas etapas, das 37 aprovadas atualmente, informou a associação das indústrias exportadoras Abiec com base em dados do Ministério da Agricultura.
O país asiático, que havia importado 644,8 mil toneladas da proteína brasileira no ano anterior, passou para 995,6 mil toneladas adquiridas em 2019, segundo dados da Abiec, com a exigência de que a carne fosse proveniente de animais mais jovens, de 30 meses ou até quatro dentes incisivos, que passaram a ser conhecidos como “boi China”.
Um animal mais jovem tem menos chances de desenvolver doenças como a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), chamada de “vaca louca”, o que explica a exigência da China. Casos atípicos da doença, ainda que não gerem riscos à saúde, são registrados em bovinos mais velhos, por exemplo.
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Com mais fábricas habilitadas pela China, a parcela de animais terminados em confinamento ultrapassou 20% do total abatido no Brasil. Os preços nominais da arroba bovina refletem essa mudança: antes das novas habilitações, em setembro de 2019, as cotações eram de cerca de 150 reais; pouco mais de um ano depois, tinham rompido a barreira dos 300 reais.
Também colaborou para o movimento uma maior retenção de fêmeas, antes mandadas para o abate, em função da valorização dos bezerros.
MAIS AMERICANO
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E a tendência é de que essa pecuária intensiva siga em ascensão, aproximando-se cada vez mais do modelo de produção norte-americano, disse o consultor em gerenciamento de risco na pecuária da StoneX, Caio Toledo.
“A nossa tendência é que ocorra, de fato, essa migração da pecuária extensiva para a intensiva”, afirmou, apesar dos custos de produção elevados.
Segundo ele, houve a necessidade de adequação do setor a essa nova demanda por animais mais novos para a China, que contribuiu para um processo evolutivo na pecuária que já estava em andamento.
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“Primeiro, pela valorização da terra, que faz com que o produtor rural tenha que produzir mais em menos espaço; e segundo pela concorrência com outras culturas, onde a pecuária extensiva, a pasto, acaba perdendo em área e rentabilidade para outros cultivos agrícolas, como a soja e milho”, explicou.
Toledo ainda disse que para produzir mais em menos tempo, e menor área, o pecuarista também deverá olhar para melhoramento genético, reformas de pastagens e outras tecnologias do setor.
O diretor de Operações do Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), Bruno de Jesus Andrade, disse que ainda é possível terminar um animal no pasto com 30 meses, mas isso exige um elevado nível de tecnificação da fazenda e algum processo intensivo, como o semi-confinamento.
“A diferença de preço do boi China estimula muito sua produção. Em Mato Grosso, por exemplo, o confinamento já representa um terço do total de abates, e há um outro terço só com animais em terminação intensiva à pasto… O confinamento realmente se consolidou”, disse ele.
Andrade também afirmou que este tipo de animal ainda oferece um bom retorno em termos de carcaça para a indústria frigorífica. Além dos produtos que são destinados à China, os exportadores conseguem alocar os cortes restantes para outros mercados com boa precificação.
“Então, quando um grande confinador consegue produzir um animal de qualidade, até 30 meses, ele se associa a grandes indústrias e grandes exportadores, porque vai oferecer essa segurança ao exportador, o que gera uma concentração nos confinamentos de maior porte.”
GESTÃO DE RISCOS
Segundo o executivo da DSM, o número de contratos fechados antecipadamente entre confinadores e frigoríficos, com ferramentas financeiras de proteção, está aumentando após o revés sofrido em 2021, quando a China embargou temporariamente as exportações brasileiras de carne bovina por dois casos atípicos de “vaca louca”.
“O pecuarista que tinha boi saindo do confinamento para abate em outubro do ano passado, e não estava protegido (financeiramente), ficou com rentabilidade negativa.”
O embargo chinês (já revertido) contribuiu, entretanto, para que os preços do boi magro recuassem neste ano, uma vez que o animal que representa cerca de 70% dos custos de produção do confinador, o que traz perspectivas favoráveis para a produção em 2022.
Isso porque parte dos pecuaristas que confinaria o animal no fim de 2021 optou pela terminação a pasto, que se estendeu até 2022, e assim não precisou entrar no mercado de reposição, diminuindo a demanda por boi magro.
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