O agronegócio em 2022: perspectivas são boas, mas seca no Sul e alta dos insumos preocupam; analistas indicam como investir nesse cenário

Expectativas vão de otimistas a moderadas. Especialistas destacam momento positivo para investir em ações, CRAs e Fiagros

Alexandre Rocha

Cotações de commodities agrícolas como a soja seguem em niveis altos - e a tendência é de novos aumentos, segundo os analistas (In Pictures Ltd./Corbis via Getty Images)
Cotações de commodities agrícolas como a soja seguem em niveis altos - e a tendência é de novos aumentos, segundo os analistas (In Pictures Ltd./Corbis via Getty Images)

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As perspectivas para o agronegócio em 2022 são boas, mas algumas variáveis podem prejudicar o setor ao longo do ano. Entre consultores, analistas e executivos do ramo, as expectativas variam de otimistas a moderadas, com preocupação em torno de questões como o clima e os preços dos insumos.

Divulgado em 11 de janeiro pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o quarto levantamento da safra 2021/2022 estima que a produção brasileira de grãos vai chegar 284,4 milhões de toneladas.

Embora o volume seja 12,5% superior ao registrado no ciclo 2020/2021, a projeção foi reduzida em relação ao terceiro levantamento, publicado em dezembro de 2021, que previa uma colheita de 291,21 milhões de toneladas.

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A seca afetou as lavouras no Sul do País e fez com que as projeções de produção de milho e soja fossem reduzidas. A colheita de soja pode atingir 140,5 milhões de toneladas e, a de milho, 112,9 milhões. No levantamento anterior, a expectativa era de 142,8 milhões de toneladas de soja e de 117,2 milhões de toneladas de milho.

As novas estimativas ainda são superiores aos volumes colhidos na safra 2020/2021, pois a produção do ano passado foi bastante afetada por problemas climáticos como secas e geadas.

“Minha perspectiva é moderadamente otimista, com o aumento da área plantada e do volume de produção”, disse Victor Martins, analista da corretora Planner.

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Segundo o presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, os eventos climáticos que afetam as lavouras são causados pelo fenômeno La Niña e devem perdurar até o segundo semestre de 2022, quando o setor voltará a ter certa normalidade climática, podendo retomar níveis mais robustos de aumento de produção.

“Com este ‘novo normal’, a produção de milho tem condições de crescer 10 milhões de toneladas por ano até o final da década”, observou.

Apesar da quebra de safra, o agronegócio teve boa rentabilidade no ano passado, pois os preços de commodities agrícolas como soja, milho, boi gordo e açúcar avançaram significativamente, algumas delas atingindo inclusive patamares históricos.

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Houve algum recuo no segundo semestre, mas as cotações seguem em níveis altos e a tendência é de novos aumentos, segundo os analistas.

Exportações

A valorização do dólar é outro fator que afeta positivamente as margens, pois as commodities são cotadas na moeda americana e as exportações são significativas para esse mercado.

No ano passado, as exportações brasileiras do setor atingiram o valor recorde de US$ 120,59 bilhões, um aumento de quase 20% sobre 2020, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária Abastecimento (Mapa).

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Com a economia brasileira patinando e a perda do poder aquisitivo de parte da população, em 2022 as exportações podem compensar perdas no mercado interno. “O câmbio compensa uma piora do cenário macroeconômico brasileiro”, comentou Leonardo Alencar, head de Agro, Alimentos e Bebidas da XP Investimentos.

Responsável pelo agronegócio no banco de investimentos da XP, Pedro Freitas acredita no avanço da demanda externa, pois os estoques internacionais de produtos agrícolas estão menores ou semelhantes aos do início do ano passado, o que indica necessidade de reposição. “Estou muito otimista em relação ao setor”, observou.

“Dois Brasis”

Se os preços em alta e o dólar valorizado beneficiam os produtores brasileiros na hora de vender, na outra ponta o aumento dos preços dos insumos e do frete fazem avançar os custos de produção. Isso é motivo de preocupação.

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A safra que começa a ser colhida agora não sofrerá os efeitos do encarecimento dos insumos, pois foi plantada antes de aumentos mais significativos, mas a chamada “safrinha” [a cultura anual de ciclo curto], principalmente a de milho, que será plantada logo em seguida, e a safra 2022/2023 vão ser atingidas.

“As margens em 2021 foram excelentes e ainda serão muito boas em 2022, mesmo com os custos maiores”, acredita Alencar.

Na avaliação de Fabio Mizumoto, coordenador de MBAs em Economia e Gestão de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), o aumento dos custos e a seca no Sul podem resultar em “dois Brasis” no que diz respeito aos ganhos dos produtores: um que irá “colher bem e aproveitar os preços das commodities” e outro que vai colher menos em função da seca.

O primeiro é representado pelo Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, e o segundo pelos estados do Sul. Mizumoto ainda teme que a safra 2021/2022 seja até menor do que a prevista no último levantamento da Conab, que já registrou redução.

Desde agora, a quebra de safra no Sul deve pressionar os preços das rações animais e encarecer as carnes, num cenário em que o consumidor brasileiro tem migrado para proteínas mais baratas por causa da inflação e da redução do poder aquisitivo.

Custos

Vários fatores pressionam para cima os valores dos insumos, além do dólar e da quebra da safra no Sul. A valorização do petróleo aumentou os preços de fertilizantes derivados da cadeia, como a amônia. O Brasil importa 84% de suas necessidades em fertilizantes.

Os defensivos estão também mais caros. Eles são majoritariamente produzidos na China, onde houve redução na fabricação após a crise energética que o país enfrentou em 2021 e com a necessidade de redução de emissões.

Além disso, problemas decorrentes da pandemia de Covid-19 contribuíram para o agravamento do quadro, como os gargalos internacionais de logística e o alto valor dos fretes.

Câmbio permite que frigoríficos como a JBS ampliem vendas externas a partir do país e minimizem perdas com retração do mercado interno (Bloomberg)

Momento para investir

Apesar de as perspectivas dos especialistas variarem de otimistas a moderadas, a avaliação geral é que este é um bom momento para investir em empresas do setor.

“Nada estimula mais o produtor do que os preços, e estão bons os preços da soja, do milho, da arroba do boi, dos biocombustíveis etc. Então há uma ampliação muito grande do interesse em investir”, comentou Nastari.

Para investir, os produtores precisam de dinheiro, e nos últimos anos o mercado de capitais vem crescendo como fonte de financiamento. Só no ano passado, seis empresas do ramo abriram capital na Bolsa. Uma delas, a Brasilagro, fez uma nova oferta de ações.

A Brasilagro (AGRO3) captou R$ 440 milhões “follow on”, e vai usar a quantia para investir em expansão. “Tínhamos uma expectativa de precificação mais alta, mas, em termos gerais, a demanda foi boa”, contou Gustavo Lopez, diretor de Relação com Investidores da companhia.

Segundo Martins, da Planner, a maioria dos lançamentos de ações de empresas do setor no ano passado ficou aquém do esperado. Nas palavras de Freitas: “Ribeirão Preto é muito longe da Faria Lima”.

Ou seja, o mercado conhece pouco a dinâmica do agronegócio. Freitas ressalta que a participação atual de 5% do setor na Bolsa ainda está bastante distante dos 25% que a atividade representa no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

CEO da Boa Safra (SOJA3), outra companhia que fez seu IPO em 2021, Marino Colpo dá um exemplo de diferença do setor, o “ciclo longo”.

O grosso do faturamento vem quando a safra é entregue. Portanto, há uma “sazonalidade grande no balanço” no que diz respeito à geração de caixa. “Há dois trimestres bons e dois trimestres ruins”, declarou. Isso pode confundir investidores eventuais, segundo o executivo.

Independentemente do conhecimento do mercado, tanto Lopez como Colpo estão otimistas com as perspectivas de desempenho de suas empresas em 2022. Vale ressaltar que nenhuma das duas produzem no Sul do Brasil — portanto, não sofrem o impacto da seca.

A Brasilagro atua na compra e venda de imóveis rurais, produção de soja, milho, cana-de-açúcar, feijão, algodão e gado em seis estados brasileiros, além de Paraguai e Bolívia. “A diversificação de culturas e regiões nos dá a vantagem de mitigar riscos”, disse Lopez.

“As margens das culturas estiveram acima da média nos últimos anos. Em 2021, a margem foi muito boa e, em 2022, será melhor ainda”, acrescentou. Em 2023, o executivo espera alguma redução em função do aumento dos custos dos insumos.

Colpo, por sua vez, diz que o objetivo da IPO da Boa Safra era levantar dinheiro para investir na ampliação de unidades produtivas, o que a companhia está fazendo. Ele tem boas expectativas sobre a colheita da safra atual, que começa agora, e vê força na demanda por sementes para a safra 2022/2023. A empresa fornece principalmente sementes de soja.

Entre os analistas do mercado, também são boas as perspectivas de retornos das empresas do agro. Para Alencar, da XP, a preferência é pela Brasilagro, em função da expectativa de aumento da safra e dos preços das commodities agrícolas.

Na área de frigoríficos, sua principal escolha é a JBS (JBSS3). Além de ter diversas unidades fora do Brasil, o que a protege em parte de eventuais embargos contra exportações brasileiras, o câmbio permite ampliar as vendas externas a partir do país e minimizar eventuais perdas com a retração do mercado interno.

No ramo sucroalcooleiro, Alencar aponta a Jalles Machado (JALL3), que também fez seu IPO em 2021. O analista destaca que o preço do açúcar está elevado e que o valor do etanol acaba sendo puxado pelo aumento da gasolina, também em alta.

Já Martins, da Planner, recomenda a SLC Agrícola (SLEC3), produtora de algodão, milho, soja e pecuária. “A companhia fez aquisições importantes e tem uma boa administração. Investe em diferentes produtos e sua média de produção está acima da brasileira.”, diz o analista.

Ricardo Propheta, CEO da gestora BRZ Investimentos, avalia que é hora de “aproveitar as empresas listadas” para lucrar com a “rentabilidade elevadíssima” do agronegócio em algumas regiões do Brasil.

Ele diz preferir elos “antes e depois da porteira”, como companhias fornecedoras de produtos e serviços para o setor, que tendem a ter um desempenho mais regular ao longo do tempo, pois não estão tão sujeitas às volatilidades específicas da atividade, como o clima.

Propheta sugere empresas que “agreguem tecnologia ao setor”, como fornecedoras de fertilizantes e defensivos “biológicos”, como a Vittia (VITT3), e companhias de logística que trabalhem tanto com granéis, como com contêineres para transporte de itens da agroindústria.

Fundos e renda fixa

Com o aumento da taxa de juros no Brasil e a migração de recursos da Bolsa para a renda fixa, novos IPOs do agronegócio estão em compasso de espera.

A avaliação é que as empresas vão recorrer mais a títulos de dívida, como Certificados e Recebíveis do Agronegócio (CRAs), e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), lançados no segundo semestre de 2021. Ambos são isentos de Imposto de Renda.

Para Freitas, do Banco XP, a demanda e a oferta de CRAs deve crescer. Em 2021, de acordo com ele, as ofertas de CRAs e debêntures de infraestrutura voltadas ao agronegócio somaram R$ 21 bilhões. O executivo prevê resultados de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões.

Quem lançou CRAs no ano passado foi a Ovos Mantiqueira. A empresa levantou R$ 230 milhões com o objetivo investir na fazenda Lorena 4.0, no interior de São Paulo. Com galinhas criadas livres, os focos do empreendimento são bem estar animal, segurança alimentar e sustentabilidade.

Leandro Pinto, CEO da Mantiqueira, está otimista em relação ao desempenho da empresa em 2022, apesar do aumento dos preços do milho e do farelo de soja, usados na alimentação das galinhas. Ele espera um faturamento de R$ 1,35 bilhão este ano, frente a R$ 1,06 bilhão em 2021.

O mercado interno é o mais importante para a Mantiqueira, mas a companhia é também a principal exportadora de ovos do Brasil. O Oriente Médio é o maior destino.

Leandro Pinto ressalta que, em 20 anos, o consumo brasileiro de ovos passou de 87 unidades per capita por ano para 252. “Agora, a demanda interna aumenta porque a carne não baixa de preço, e o ovo é uma alternativa completa” disse o executivo.

Além dos CRAs, ele não descarta a realização de um IPO no futuro. “Queremos estar preparados para o baile, mas a música depende do mercado”, acrescentou.

Os especialistas avaliam que CRAs e Fiagros podem servir para “educar o investidor” sobre a dinâmica do agronegócio. “O Fiagro pode ser uma ponte entre o setor e o mercado”, opinou Freitas.

Ele acredita que este instrumento tem condições de se tornar uma fonte substancial de recursos para a atividade, especialmente para empresas de menor porte que ainda não têm condições de acessar o mercado diretamente com IPOs e CRAs.

“De forma geral, a expectativa é que o Fiagro desça na cadeia, ampliando a entrada do setor no mercado”, afirmou.

Segundo Freitas, desde setembro de 2021, as ofertas de Fiagros movimentaram R$ 1,5 bilhão, sendo o que o maior deles foi o da gestora Riza (RZAG11).

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Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney