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Há algum tempo trouxe uma coluna sobre valuation de clubes de futebol. A ideia era mostrar o quão complexo é avaliar um clube, pois trata-se de uma atividade muito diferente e com especificidades que demandam análise crítica além das ferramentas técnicas.
O que não difere em nada de qualquer outra indústria. Falar que “o futebol é diferente” é tão óbvio quanto dizer que uma usina de açúcar & etanol é distinta de uma operadora de telecomunicações, de um supermercado, de uma fintech. Toda indústria tem suas características e quem as conhece e domine. Este é o ponto central do artigo.
Com a aprovação da Lei da SAF surgem os primeiros casos de interessados na transformação das associações em entidades empresárias, que costumo chamar de Futebol Corporativo. Este processo passa necessariamente pela avaliação do ativo que está sendo negociado.
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Um processo de valuation de um clube de futebol pode ter a criatividade que quiserem aplicar, mas necessariamente passa por alguns aspectos na análise: i) conhecer o setor, o que significa entender sua dinâmica de funcionamento; ii) conhecer o clube além das informações contábeis; iii) usar as premissas corretas; iv) entender que valuation precisa conversar com viabilidade; v) lembrar que, muito provavelmente, o investidor interessado na compra sabe fazer contas.
Vamos tratar desses pontos.
Conhecer o setor significa mais do que pegar as informações que disponibilizo no relatório anual do Itaú BBA, ou nas pesquisas da Sport Track, nos dados de seguidores de redes sociais. Significa entender como o mercado se estrutura, como se comporta a relação entre dirigentes de federações, confederação, clubes, atletas, empresários. Saber diferenciar o joio do trigo, porque assim como em qualquer indústria, o futebol também tem bons e maus profissionais.
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Assim como conhecer o ambiente do clube e suas particularidades é fundamental. Quem são os dirigentes, o que já fizeram, qual sua relação com os demais dirigentes e profissionais, quais “easter eggs” podem ser encontrados numa due dilligence. E o caráter? O clube paga todas as contas ou tem alguém completando a folha no final do mês?
Mas isso não deveria estar na due diligence e não no valuation? Não. E este é um dos desafios na avaliação de um clube de futebol.
Tudo isso tem que estar baseado em informações corretas. Já vi muito valuation usando dados de torcidas do século passado, ou informações de avaliação de elenco do Transfermarkt, que é um site que tem mais valor de história que de previsão e avaliação. Aliás, nenhuma dessas informações é justa, pois o único modelo que permite saber o valor máximo de um atleta se chama “multa contratual”. Para quem não tem, a avaliação é um chute. Afinal, depende da vontade de negociação das partes, do interesse do atleta, do empresário, dos patrocinadores e por aí vai.
Premissas, dados. Não adianta um modelo proprietário de valuation que seja tecnicamente defensável se as premissas usadas estiverem erradas. Garbage in, garbage out. Sem contar que vários desses modelos misturam conceitos, duplicam informações, de forma que o resultado tende ao erro. Modelo proprietário é bacana para vender que há um trabalho associado, mas o bom e velho fluxo de caixa descontado, se as projeções forem feitas com as premissas corretas, é a melhor forma de avaliar um clube. Afinal, está tudo lá: “engajamento” (palavra bonita de se colocar num modelo proprietário), que no final está refletido na bilheteria, no sócio torcedor, em boa parte das receitas de transmissão. Elenco? Está no histórico de negociação de atletas. Não adianta ter elenco que vale bilhões se o clube negocia historicamente valores módicos de direitos.
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Dados e premissas corretas. Afinal, não é por mágica que o clube sairá de 5 mil torcedores por partida para 40 mil. Assim como avaliar torcedor como se avalia cliente de fintech é tão simplório quanto errado. Um clube que tem 9 milhões de torcedores não tem 9 milhões de consumidores, porque nem todos compram camisas, vão aos estádios, assinam conteúdo proprietário. E a maioria ainda precisa viver com renda de algo como R$ 1,3 mil mensais. Te falaram algo diferente? Disseram que se cada torcedor pagar R$ 10 mensais num produto do clube o futuro estará garantido? Pois bem, desce daí que o tombo é grande.
Não adianta apresentar um valuation baseado em modelos e premissas frouxas. O clube precisa ser viável. E o investidor fará contas. Não dá para dizer que um clube que disputa o equivalente à 6ª divisão do futebol brasileiro vale o mais que um clube português que disputa a 2ª divisão. O valuation precisa conversar com os diversos potenciais de desenvolvimento e com seus respectivos upsides. Que, aliás, tem que ficar com o comprador, porque fazer valuation do potencial do negócio querendo se aproveitar de algo que os atuais donos nunca conseguiram é chamar o investidor de ingênuo, para ser simpático.
Há um aspecto que não pode ficar de fora dessa avaliação que é o plano de negócios futuro. Um clube de futebol não é como uma indústria, com market-share, relacionamentos com fornecedores, clientes, acesso mais ou menos facilitado a matéria-prima e mão-de-obra, cujos impactos macroeconômicos (inflação, câmbio, renda) são aspectos mensuráveis de alguma forma.
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Clube de futebol tem a ver com custo de reposição da estrutura – estádio, centro de treinamentos – mas também com a posição que se encontra dentro da estrutura do esporte – estado, divisão local, divisão nacional – e o potencial de crescimento nela.
Nesses momentos de aumento de expectativa de negócios surgem as possibilidades mais estranhas. E como sempre digo, o que parece estranho é estranho mesmo. Para fugir da estranheza, retomo uma parte do parágrafo inicial: valuation no futebol é mais que usar ferramentas – é usar e abusar da análise crítica e das informações corretas.