Anatomia do Estado e as Disfunções do Brasil

O desprezo ao indivíduo e a exaltação a coletividade, indicada por Rothbard como “um dos artifícios utilizados por governantes para manutenção do poder” é ainda mais nítida no atual momento vivenciado pelo Brasil, marcado pela interferência do Estado nas liberdades individuais através da imposição de leis extremamente restritivas e protecionistas.

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 (Foto: Mario Tama/Getty Images)
(Foto: Mario Tama/Getty Images)

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*Manoela Pascal

A obra Anatomia do Estado foi escrita por Murray Rothbard (1926-1995), economista e filósofo norte-americano, que ficou conhecido por ser um dos principais discípulos de Ludwig von Mises e, principalmente, como fundador do anarcocapitalismo.

Na obra, publicada originalmente no ano de 1974 como o terceiro capítulo do livro Igualitarismo como uma revolta contra a natureza e outros ensaios, busca explicar o que o Estado é e, principalmente, o que ele não é. Para tanto, o autor inicia o texto afirmando que o Estado, considerado por muitos como a “instituição de serviço social”, não é um meio necessário para a concretização dos objetivos da humanidade e que o governo não representa a maioria das pessoas.

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Para Rothbard, o Estado “é a única organização da sociedade que não arrecada por meio da contribuição ou pagamento voluntário, e sim por meio da coerção”. Isso significa dizer que, enquanto todos os outros indivíduos e instituições normalmente auferem valores através da produção de bens e/ou serviços negociados voluntariamente no mercado, o Estado arrecada por imposição, isto é, pelo uso da força/coerção.

Ainda, o filósofo explica que, apesar de a força ser o modus operandi do Estado, o verdadeiro problema de longo prazo é ideológico. Isso porque, a principal função dos governantes é “garantir a aceitação ativa ou resignada da maioria dos cidadãos”. E o método mais fácil de conquistar o apoio de determinado grupo é através da criação de interesses econômicos ocultos. Já para se obter o apoio da maioria, é necessário o convencimento ideológico.

Nas palavras do autor: Promover essa ideologia entre o povo é a função fundamental dos “intelectuais”, porque as massas não geram suas próprias ideias nem refletem sobre tais ideias independentemente; elas seguem passivamente as ideias adotadas e disseminadas pelo corpo de intelectuais.

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Os intelectuais são, portanto, os “formadores de opinião” da sociedade.

Por outro lado, a maior ameaça ao Estado é a crítica intelectual independente, razão pela qual “não há forma melhor de conter essa crítica do que acusar a voz isolada (…)”.

Do ponto de vista ideológico, os governos mantêm o poder desprezando o indivíduo e exaltando a coletividade, inclusive apelando para o sentimento de culpa. Nessa linha, qualquer aumento do bem-estar privado, inclusive decorrente do esforço individual, é visto como equivocado, uma vez que, para se obter o “bem social”, mais recursos precisariam ser canalizados do setor privado para o público.

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Dando sequência a sua narrativa, Murray explica como o Estado transcende os seus limites. Para tanto, o autor esclarece que, ao longo dos séculos, o homem sempre buscou formas de limitar e fiscalizar o exercício do domínio estatal, sem ter nenhum sucesso. Tanto isso é verdade que, desde a Declaração Americana dos Direitos, de 1689, até os dias atuais no Brasil, os governantes ultrapassam os limites expressos inclusive em leis fundamentais, que deveriam ser interpretadas por um judiciário “supostamente” independente dos demais poderes.

Em outras palavras, é possível concluir que “o Estado, nesse processo, transformou a própria análise judicial, antes um instrumento limitador, em outro artificio para dar legitimidade ideológica às ações do governo”.

Porque, se uma sentença judicial diz que algo é “inconstitucional” e isso significa um controle firme do poder governamental, então está implícito ou explícito que um veredito de “constitucional” funciona como uma arma capaz de infundir no público a aceitação a um poder governamental cada vez maior.

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Logo e, em última análise, a justiça e a legitimidade de um Estado seriam eternamente julgadas em causa própria.

Ato contínuo, Rothbard explica que o que o Estado mais teme é a ameaça a sua soberania e existência, o que acontece por meio (i.) da conquista por outro Estado ou (ii.) da guerra ou revolução. Murray conclui a obra afirmando que “de todas as formas que os governos assumiram ao longo dos séculos, de todos os conceitos e instituições experimentados, nenhum conseguiu controlar o Estado. O problema do Estado, evidentemente, nunca esteve tão distante de uma solução”.

Como dito acima, a situação narrada ao longo do texto não é diferente daquela vivenciada no Brasil, principalmente diante da nítida imparcialidade do judiciário e da ausência de segurança jurídica.

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A título exemplificativo, cita-se a atuação do Supremo Tribunal Federal, que se mostra totalmente parcial, haja vista as diversas e recentes decisões de cunho político, ideológico e partidário, proferidas por ministros nomeados por aqueles que, em momento posterior, são julgados por eles próprios. Partindo das premissas acima, é possível afirmar que decisões relacionadas à Lava Jato, especialmente aquelas envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dentre tantas outras, foram proferidas pelo STF com total independência e sem qualquer cunho político partidário? Certamente não!

Mas esse é apenas um dos inúmeros exemplos de crise ideológica, moral e ética enfrentada pelo Brasil.

O desprezo ao indivíduo e a exaltação a coletividade, indicada por Rothbard como “um dos artifícios utilizados por governantes para manutenção do poder” é ainda mais nítida no atual momento vivenciado pelo Brasil, marcado pela interferência do Estado nas liberdades individuais através da imposição de leis extremamente restritivas e protecionistas, como as leis trabalhistas que partem do pressuposto de que o trabalhador não é capaz de negociar suas próprias condições de trabalho, priorizando negociações coletivas em detrimento dos acordos individuais entre empregado e empregador, ou de decisões judiciais que suprimem liberdades individuais, como aquela em que o STF entendeu que a vacinação do COVID-19 é obrigatória no Brasil.

Mas, antes de criticar, é preciso lembrar que as disfunções dos representantes públicos são reflexos das nossas disfunções ou, no mínimo, omissões. E aqui não vale dizer que você não votou em “A” ou “B” tentando se eximir da sua parcela de culpa.

Você sabe quem foram os últimos presidentes do Brasil ou do Congresso Nacional? Ou ainda, a formação dos ministros do Supremo Tribunal Federal? De que forma você está contribuindo para um país e um mundo melhor? Enquanto “terceirizarmos” o problema do Estado ele seguirá cada vez mais “nosso” e distante da solução.

*Manoela Pascal, sócia das áreas trabalhista, relações sindicais e negociações coletivas e ESG do escritório Souto Correa Advogados e associada IFL.

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O Instituto de Formação de Líderes de São Paulo é uma entidade sem fins lucrativos que tem como objetivo formar futuros líderes com base em valores de Vida, Liberdade, Propriedade e Império da Lei.