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SÃO PAULO – O imbróglio envolvendo as negociações entre o Executivo e o Congresso sobre o valor e a origem do Auxílio Brasil, o novo programa de transferência de renda do governo federal, fizeram a Bolsa cair abaixo dos 107 mil pontos – na pior semana desde o começo deste ano.
Mas o buraco pode ser ainda mais profundo. Essa pelo menos é a visão de Márcio Correia, sócio e gestor dos fundos de ações da JGP, casa que possui R$ 25,8 bilhões sob gestão. Para ele, há uma boa chance de o cenário piorar ainda mais. “Guedes não queria usar a caneta no começo e agora entregou a caneta. Ele já falou que quem vai decidir o Auxílio Brasil é o Congresso e indo para lá, nós não sabemos o que vai ser”.
Em entrevista ao InfoMoney na última sexta-feira (22), o gestor falou que o mercado não é “insensível” à questão social. O problema é a comunicação. “Não adianta fazer medidas muito heterodoxas, o mercado vai ver como uma peça de teatro. Vai entender que quando precisar, [o governo] vai poder furar o teto. É preciso ter antes uma argumentação técnica, explicar o período que dura”.
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Diante de um cenário econômico ainda bastante nebuloso, o executivo afirma que a postura do investidor deve ser cautelosa e que “ainda não dá para ter clareza de que agora é o momento para sair comprando”.
Correia pondera ainda que agora o ideal é aumentar o nível de caixa para depois buscar papéis que podem ir bem em um contexto de dólar mais valorizado em relação ao real ou que estão bastante descontados. Algumas das empresas preferidas para isso são a Natura (NTCO3), Weg (WEGE3) e Lojas Renner (LREN3).
Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
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Tivemos a saída de quatro pessoas do Ministério da Economia, rumores de que o ministro também sairia, além da criação do Auxílio Brasil no valor de R$ 400. Há chance de uma piora ainda maior no cenário macroeconômico?
Com certeza tem chance de piorar. Guedes [Paulo Guedes] não queria usar a caneta e agora ele entregou a caneta. Ele já falou que quem vai decidir o Auxílio Brasil é o Congresso e indo para lá, nós não sabemos o que vai ser. Começou com um valor e foi se alterando. A grande verdade é que o mercado não sabe o valor. Vivemos agora uma grande perda do framework [estrutura] fiscal. O mercado quer entender qual é o framework que vamos trabalhar daqui pra frente e quando isso vai ocorrer.
O que exatamente pode piorar a situação?
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No curto prazo, se incluir os chamados ‘invisíveis’, isso poderia fazer com que o número de famílias beneficiadas chegasse a 20 milhões e o valor a ser desembolsado poderia ser relevante. Agora, com a questão de alterar o índice de reajuste do teto, é possível abrir um espaço relevante de cerca de R$ 50 bilhões. O mercado entende que é preciso dar uma ajuda para essas pessoas, que é uma necessidade real. O problema é que teve uma quebra de expectativas em relação à comunicação e aos valores. O mercado vê tudo isso como uma questão eleitoreira e perde-se o arcabouço fiscal. Não sabemos onde isso vai parar.
Diante desse cenário mais conturbado, qual foi a postura que adotou na gestão dos fundos de ação que gere?
Nós aumentamos um pouco a posição em caixa. As ações brasileiras estão descontadas e acho que isso é natural. Ao aumentar a incerteza, aumenta-se também o prêmio. Só que ainda não dá para ter clareza de que agora é o momento para sair comprando. Vamos ver o que vai sair do Congresso. O Ministério da Economia não vai definir o valor. O Congresso quer uma liderança e estamos observando. Enquanto não tivermos essa convicção sobre o valor, é difícil comprar papéis domésticos, por exemplo.
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Nesse caso, o que o mercado deve olhar para voltar a comprar com mais força?
Acho que a primeira das variáveis é ter uma clareza. É ter uma certeza de qual vai ser o valor do Auxílio Brasil [quando o texto passar pelo Congresso]. Depois, há outras coisas. A situação que estamos hoje não é sustentável do ponto de vista real, nem nominal. Nós precisamos ver uma forma de apaziguar isso. A maior dúvida que eu tenho é sobre entender qual é o novo ‘modus operandi’ entre o Executivo e o Congresso. Entendo que há um novo. Mas ainda não sei qual é.
Como vê o anúncio do Auxílio Brasil?
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O mercado, na minha opinião, não é insensível à questão social. Nós vemos que [o auxílio] é uma necessidade real. O problema é a questão da comunicação, a forma. Não adianta fazer medidas muito heterodoxas, o mercado vai ver como uma peça de teatro. Vai entender que quando precisar, [o governo] vai poder furar o teto. É preciso ter antes uma argumentação técnica, explicar o período que dura. Tem que ter critérios para fazer isso, e eu não vejo hoje esses critérios.
Houve alguma mudança de alocação durante esse período de maior incerteza e aumento dos riscos político e fiscal?
Além da maior alocação em caixa, nós reduzimos algumas posições em ativos que estavam mais desconectados da realidade. Agora, é o momento para reduzir os vencedores e apostar em quem está mais descontado. Se tiver uma clareza que o cenário vai melhorar e a Bolsa vai voltar a subir, os papéis que vão subir mais são os papéis de qualidade que foram muito mal.
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Lojas Renner, por exemplo, é de alta qualidade. É um grande vencedor de longo prazo. Está com um bom caixa e pode aproveitar o momento para fazer aquisições. Os resultados estão melhorando bem. As ações estão caindo porque a empresa está ligada à economia doméstica, que sofreu muito na pandemia.
Como o investidor deve se proteger diante desse cenário?
Pode ser importante ter empresas exportadoras no portfólio. Agora, é preciso se lembrar que essas companhias também estão sujeitas à volatilidade do mercado. Nessa hora, também é muito importante ter empresas maiores na carteira porque as menores são mais impactadas e costumam ter menor liquidez. É melhor também fugir de setores muito dependentes da macroeconomia, como home builders [construção] e de setores que podem ser negativamente afetados pelo câmbio depreciado [real desvalorizado em relação ao dólar], como o setor aéreo.
Há algumas opções que ficaram mais atrativas?
Sim. De algumas somos acionistas, como por exemplo, a Natura. Ela caiu muito e quando você olha, ela está com forte pressão no curto prazo por causa de problemas logísticos. Isso sem contar que a ação foi impactada pela perda do poder de compra, que foi devastado pela inflação. A Natura tem receita em moeda forte e caiu mais do que empresas locais que não tem parte da receita atrelada à moedas fortes.
Outra que nós gostamos bastante é a Weg. É uma empresa que tem uma boa parte da receita em dólar e os contratos são de longo prazo.
E com relação às expectativas para os juros? Como estão as projeções da casa?
O mercado está pedindo 150 pontos-base [1,5 ponto percentual]. Eu não sou gestor de renda fixa, mas acho que o Banco Central não vai ficar atrás da curva [deve subir a Selic mais ou menos em linha com o que está mercado pedindo]. Se ele ficar muito atrás, pode ocorrer uma ‘desancoragem’ de expectativas lá na frente. Nós não somos os Estados Unidos. Se ficarmos muito atrás, o mercado precifica mais inflação e ao entrar nesse jogo, as empresas tendem a colocar isso também nos orçamentos.
Qual deve ser o cenário de crescimento para o ano que vem?
Acredito que o mais provável é um cenário de mais inflação e juros para reprimir um pouco o poupador. Porém, talvez haja um cenário em que a inflação ceda e a massa salarial real ganhe um ímpeto. O problema é que se a economia piorar muito, as empresas pioram. Agora, desta vez, eu acho que é bem diferente da crise de 2015 e 2016. As empresas estão mais desalavancadas [menos endividadas].
Entre 2015 e 2016, várias companhias grandes estavam ligadas ao ‘petrolão’ e estavam mal financeiramente. Agora, as empresas de commodities estão com um bom caixa, estão fazendo recompra de ações. Várias empresas do setor doméstico fizeram captação e isso pode motivar M&As [fusões e aquisições]. O cenário é bem melhor do que entre 2015 e 2016.