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Foi em 1857 que Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, deu início a primeira grande obra de saneamento do país, na cidade do Rio de Janeiro.
Como recompensa pela obra, custeada pelo próprio Mauá, o governo deu a ele a concessão para operar a iluminação pública a gás na capital do império.
De uma só vez, Mauá deu início ao setor de saneamento e iluminação pública no país. Por este mesmo período iniciou também a indústria naval brasileira, o primeiro banco, as primeiras fábricas de grande porte, e o setor ferroviário.
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Como relembra Jorge Caldeira na biografia que escreveu sobre Mauá, em 1860 Cornelius Vanderbilt, um dos homens mais ricos da história, deixou US$ 100 milhões em herança. No mesmo ano, Mauá controlava ativos da ordem de US$ 60 milhões.
Que Mauá tenha sido um nome tão marcante em nossa história, não chega a surpreender, em especial pela sua derrocada.
Há quem diga que o empresário liberal (de fato, eleito pelo partido liberal e um antiescravagista convicto), tenha sido vítima da elite dona de terras no país. É uma visão simplista e romântica da história, que não cabe discutir aqui, ao menos não agora.
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Fato é que Mauá deixou de herança uma visão de um Brasil empreendedor, com indústrias e infraestrutura de vanguarda. Seu próprio brasão, quando nomeado barão, estampa uma locomotiva.
Por mais de um século após sua morte em 1889, setores fundamentais no desenvolvimento do país viram altos e baixos, via de regras dependentes da elite política (em parte composta pelos mesmos donos de terras).
No setor de ferrovias, por exemplo, tivemos experiências de estatização e completo abandono de projetos por quase todo século 20. Apenas em 1997, o setor retornou para as mãos do setor privado que o criou.
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O resultado é que, durante todo o último século, o Brasil viu sua fronteira agrícola mudar do Sul para o Centro-Oeste, sem ter empresas capazes de fornecer infraestrutura adequada.
Como se fala por aqui, “a eficiência agrícola brasileira é das maiores do mundo. O problema está na porteira pra fora”.
E este, porém, não é um ponto sobre capitalismo bonzinho e estado malvado. O desenvolvimento da fronteira agrícola no Centro-Oeste teve participação relevante de instituições públicas como a Embrapa.
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Trata-se de um fato histórico apontar que o setor ferroviário, como tantos outros em infraestrutura, falharam sob a gestão do Estado brasileiro.
Nos tornamos um país dependente de caminhões, que gasta 12% do PIB em logística, contra 7,4% dos EUA, ou ainda menos em países europeus (bem menores, claro).
Criamos um custo elevado para manter uma rede de infraestrutura elevada.
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Da mesma maneira, o setor de saneamento iniciado por Mauá se tornou fonte de renda para governantes, e com pouco investimento.
O resultado neste setor é ainda mais alarmante. Cerca de 47% dos brasileiros não possuem acesso a saneamento básico, que como o nome já diz, é “básico”.
Pouco importa que US$ 1 investidos em saneamento gerem economia de US$ 4 em saúde, ou que investimentos em infraestrutura gerem economias tão ou mais relevantes. Sob o modelo vigente até então, ambas falharam em gerar benefícios ao país.
E nesta altura talvez você esteja se perguntando os motivos de eu especificar 2 setores.
O ponto mais óbvio entre ambos é que, ao contrário do setor elétrico ou de telefonia, outros ligados a infraestrutura, estes dois estavam quase que inteiramente sob a responsabilidade do Estado até então.
Com o marco do saneamento em 2020, e a MP do setor ferroviário em setembro deste ano, ambos puderam enfim conhecer o significado de concorrência, a chave do setor privado.
Desde que o marco do saneamento foi aprovado, diversas companhias estatais já anunciaram processo para captar recurso via IPOs ou Parcerias Público Privadas. São dezenas de bilhões a mais indo para o setor.
O motivo? O marco obriga que até 2033 o saneamento seja universalizado. Simples assim. Sem depender de vontade política, de caixa, do que quer que seja. Está no contrato.
É bem verdade que as empresas estatais não gostaram e tentam ainda ampliar a data, alegando não serem capazes de cumprir o prazo. Mas, ainda assim, a obrigação segue lá.
É uma verdadeira revolução. O BNDES, por exemplo, calcula que os leilões planejados pelo banco envolvendo estatais estaduais devem gerar R$165 bilhões em investimentos, mais do que tudo investido na última década.
No setor de ferrovias, a situação não é diferente.
Com a Medida Provisória do governo, que se adiantou ao marco das ferrovias parado no congresso, já foram anunciados R$ 80 bilhões em investimentos.
O valor é o equivalente a mais da metade de tudo que as concessionárias investiram desde 1997 (em termos nominais). Tudo em cerca de 40 dias.
A “revolução” neste caso é mais óbvio, e chega a envergonhar que só tenha saído em 2021: por conta da MP, empresas que possuem interesse em construir ferrovias passam a ter permissão para construir.
Antes era preciso que o Estado apresentasse o projeto e fizesse um leilão de concessão.
Isso impede, por exemplo, que uma grande indústria de celulose, construa uma ferrovia para escoar sua produção.
Desde que foi editada a MP já recebeu 14 propostas de novas ferrovias no país. Elas nascem para atender projetos industriais, reduzindo custo e melhorando eficiência. Além de atender a demanda de agro.
É claro que ambos os temas são incapazes de gerar respostas imediatas aos problemas de agora, como inflação, emprego e renda, mas são questões relevantes quando falamos de algo que interessa a todos: longo prazo.
Construir uma boa perspectiva é tão importante quanto cuidar do hoje, pois facilita o trabalho mais à frente.