Crise Energética, ESG e Distorção Cognitiva

Seja por distorção cognitiva, seja pela má-fé dos analistas que se comportam como se fossem da aristocracia inglesa, o ESG está injustamente sentado no banco dos réus

Fabio Alperowitch Roberto Attuch Jr

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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“A culpa é minha e eu coloco quem eu quiser”, Homer Simpson

Em 1989, Dr. David Burns apresentou a teoria de distorções cognitivas após longa pesquisa na área em conjunto com o renomado Dr. Aaron Beck, ambos renomados psiquiatras norte-americanos. As distorções cognitivas são formas distorcidas que as pessoas têm de interpretar determinadas situações do dia a dia, ou seja, interpretações enviesadas do que acontece.

Há uma série de tipos de distorções cognitivas, sendo a “atribuição de culpa” uma das principais delas. Nesse caso, a tendência é procurar culpados externos e considerar as próprias falhas como responsabilidade dos outros.

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É bem verdade que o mundo passa por um momento de stress energético: em alguns países europeus, por exemplo, o preço do gás natural chegou a triplicar ou até quadruplicar; o preço do barril de petróleo que era negociado na casa dos US$ 60 rapidamente atingiu US$ 75.

Na mesma velocidade em que o preço das commodities energéticas dispararam, foi a velocidade em que surgiram comentários e análises atribuindo ao ESG a culpa pelo problema. Para estes, a redução na oferta causada pela pressão por um mundo mais limpo tornou o mercado disfuncional, levando a uma alta dos preços e afetando negativamente uma população que o ESG deveria, em tese, proteger – concluindo, portanto, que o ESG ao invés de ser benéfico, é nocivo.

Tais análises, contudo, não levam em conta que, ao mesmo tempo em que a Europa se prepara para o inverno e, portanto, com natural aumento de demanda por energia, lidam neste ano com a redução de exportação de gás dos EUA em decorrência de problemas climáticos no Texas. Ou seja, em consequência da falta de cuidado com o planeta há menos oferta de energia, e não o contrário.

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Não se trata de um evento isolado na Europa. Afinal, no Brasil, estamos à beira de um racionamento energético decorrente da crise hídrica. A região Amazônica desempenha um papel fundamental no regime de chuvas brasileiro e, portanto, o descaso em relação às políticas ambientais e aumento de desmatamento têm cobrado o seu preço neste sentido.

Voltando à questão europeia, para criticar o ESG vale qualquer subterfúgio, inclusive o de ocultar temas que o mercado sempre considerou: (i) a alta de preços é bastante benéfica para a Rússia no momento em que busca melhores negociações para a entrada em operação do gasoduto Nordstream 2, o que poderia estar levando-a a uma deliberada redução de oferta e (ii) não é novidade para ninguém que o setor de energia é oligopolizado globalmente e momentos de distorções do equilíbrio entre oferta e demanda são bastante convenientes para a ações coletivas.

Apesar das evidências, negacionistas da mudança climática aproveitam o momento para fortalecerem suas narrativas falaciosas e acabam ganhando o coro daqueles que não se preocupam com uma transição para um mundo mais sustentável, equilibrado, inclusivo e com visão de stakeholders. Assim, não perdem a oportunidade de extrapolar a questão energética e atacar as práticas ESG como um todo.

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Toda boa análise precisa estar calcada em uma visão sistêmica, ou seja, ter a capacidade de enxergar o cenário completo, analisando todos os agentes que o compões bem como causas e efeitos.

Ou seja, calcular o custo financeiro do choque energético de forma isolada e tirar conclusões sobre ele é errado (ou desonesto). É preciso, no mínimo, incluir alguns componentes nesta equação. Como exemplo: apenas o custo de reconstrução das tempestades de verão que afetaram este ano a Alemanha, Holanda e Bélgica deve passar de 30 bilhões de euros apenas na Alemanha. Estamos aqui nos referindo a apenas um evento climático, em uma região e em apenas um ano.

Projeções da NRDC apontam para custos anuais na casa de US$ 2 trilhões se seguirmos na toada em que estamos. Da mesma forma, não podemos ignorar os efeitos da escalada de 30% no preço das commodities agrícolas nos últimos 12 meses, em grande parte resultado de fenômenos climáticos ao redor do globo, sendo essa uma pequena amostra do que o futuro pode nos reservar.

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A guerra civil síria produziu cerca de 1 milhão de refugiados que migraram para a Europa, trazendo consequências de desequilíbrio econômico e social em vários aspectos. Segundo o Banco Mundial, a mudança climática produzirá mais de 200 milhões de refugiados. O custo de tudo isso está sendo contemplado por aqueles que apontam o dedo na transição energética?

Mas há um ponto em que tais analistas tem razão. Toda transição que for programada, paulatina, lenta e gradual traz menos trauma, consequência e desequilíbrio. Esta é uma opção que tínhamos há três ou quatro décadas atrás, quando a comunidade científica realizou uma série de alertas e nós irresponsavelmente ignoramos. Tivéssemos sido menos gananciosos e mais responsáveis, hoje já estaríamos em um outro cenário energético e este debate sequer existiria.

Precisamos reconhecer, de uma vez por todas, que algumas atividades empresariais têm severas externalidades negativas, pelas quais as companhias devem se responsabilizar. O conceito de polluter pays principle, criado pela OCDE há quase 50 anos (1972), recomenda que quem polui deve ser responsável pelos custos das medidas tomadas pelas autoridades para deixar o meio ambiente em estado aceitável. Objetivamente falando, quem sujou, limpa. Trata-se, portanto, de uma questão fundamental de governança, embora estejamos tratando-a apenas como ambiental. Pragmaticamente, estamos simplesmente roubando as gerações futuras.

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Bernard Shaw, dramaturgo irlandês e cofundador da London School of Economics, certa vez disse que a aristocracia inglesa era tão preguiçosa e insolente que sequer esforçava-se para cometer crimes, pedindo para a criadagem fazê-los – daí a expressão que a “culpa é do mordomo”.

Seja por distorção cognitiva, seja pela má-fé dos analistas que se comportam como se fossem da aristocracia inglesa, o ESG está injustamente sentado no banco dos réus.

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Fabio Alperowitch

Co-fundador e portfolio manager da FAMA Investimentos, gestora independente que se dedica à gestão de uma carteira de empresas listadas na Bolsa brasileira. É formado em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), com cursos de extensão na Universidade da Califórnia (Berkeley) e na Harvard Kennedy School. Iniciou sua carreira na Procter & Gamble e fundou a Fama em 1993.

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Roberto Attuch Jr

Roberto Attuch Jr é fundador e CEO da OhmResearch. Tem mais de 25 anos de experiência em casas como Credit Suisse e Barclays. É economista pela Universidade de Brasília (UnB), possui mestrado em Gestão de Riscos pela New York University (NYU) e diploma de Governança Corporativa do INSEAD.