Após tantas intervenções estatais, ações da China seguem sendo uma boa alternativa de investimento?

Intervenção estatal na economia assustou investidores e derrubou ações esta semana, mas gestores e analistas permanecem confiantes

Alexandre Rocha

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O mercado acionário chinês começou a chamar a atenção de cada vez mais investidores, incluindo do Brasil, uma vez que o país apresentou recuperação mais forte após o baque com a pandemia do coronavírus e também por seguir com um bom ritmo de crescimento da economia.

Porém, a intervenção anunciada no último final de semana pelo governo chinês no setor privado de educação provocou forte movimento de venda de ações de empresas do país asiático, desvalorização destes papéis e queda nos índices de bolsas locais. Foi o último capitulo de uma série de intervenções das autoridades da China em negócios privados do ano passado para cá.

As medidas incluem a transformação de companhias do ramo em entidades sem fins lucrativos, proibição para levantar capital em bolsa e veto a investimentos estrangeiros. O anúncio afetou principalmente as ações da Tal Education e da New Oriental Education & Technology, que se juntaram a empresas da área de tecnologia, também impactadas negativamente por iniciativas intervencionistas.

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O temor de novas investidas das autoridades e sua expansão para outros segmentos foi o principal indutor da baixa. O índice Hang Seng, da bolsa de Hong Kong, acumulou queda de 8% na segunda (26) e na terça-feira (27), mas voltou a subir na quarta (28) e fechou com valorização de 3,3% nesta quinta-feira (29). As bolsas Xangai e Shenzhen seguiram tendência parecida, mas com recuos de segunda a quarta e avanço somente na quinta (tendo caído na sexta-feira).

A retomada na quinta ocorreu após reunião virtual entre a Comissão Reguladora de Valores Mobiliários da China e representantes de banco de investimento para dizer que as medidas são específicas para a área de educação e não pretendiam afetar empresas de outro segmentos.

As autoridades informaram corretoras também que o governo permitirá que empresas do país sejam listadas nos Estados Unidos. A companhia de aplicativos de transporte Didi, dona da brasileira 99, virou alvo de investigação sobre segurança de dados pelo órgão regulador do ciberespaço da China depois de abrir o capital nos EUA, em junho.

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Pequim mostra descontentamento com empresas chinesas listadas no exterior, principalmente do ramo de tecnologia, e havia prometido regras mais duras no início de julho.

Some-se a isso, a lei norte-americana que obriga empresas estrangeiras a abrir informações para autoridades dos EUA que os chineses não estão dispostos a dar.

Cabe ressaltar que a Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou a interrupção do processamento de registros de ofertas públicas iniciais (IPOs) nos Estados Unidos e outras vendas de títulos por empresas chinesas enquanto elabora novas orientações para divulgar a investidores o risco de uma nova repressão regulatória por Pequim.

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Segundo dados compilados pela Refinitiv, cerca de 418 empresas chinesas estão listadas nas bolsas dos EUA. O índice S&P/BNY Mellon China Select ADR, que rastreia os recibos de depósitos de ações de americanos das principais empresas chinesas listadas, perdeu 22% de seu valor no acumulado de 2021, frente a alta de 18% no índice S&P 500. Nenhuma grande oferta pública inicial de uma chinesa está em andamento depois da Didi.

Profissionais do mercado de capitais, porém, continuam otimistas com as perspectivas de longo prazo para a China e seguem recomendando algum grau de exposição a papéis de empresas do país.

“Olhamos para oportunidades no mundo em termos de perspectivas de longo prazo, e fazer alocações na China com vistas ao longo prazo continua muito importante neste contexto”, disse Jean Van de Walle, executivo chefe de Investimento da Sycamore Capital e professor adjunto de Finanças de Mercados Emergentes da Stern Escola de Negócios, da Universidade de Nova York.

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Ele diz que o mercado de capitais da China cresce muito e vai continuar a crescer nos próximos dez a 15 anos a ponto de chegar ao tamanho do mercados dos EUA, aliado a um avanço econômico que, embora menor do que no passado, ainda está muito acima da média mundial. “Num cenário de escassez de crescimento, é muito importante manter a possibilidade de exposição ao mercado chinês no longo prazo”, afirmou.

O chefe de Mercados Emergentes da gestora Franklin Templeton, Kim Catechis, tem opinião semelhante. “No longo prazo, mantenho o otimismo com a China. Para começar, você tem que considerar que Pequim tem muito mais alavancas para puxar do que outros países. Isso implica que a China pode tomar medidas que nós não podemos”, declarou.

Sem surpresas

A percepção é que intervenções estatais na economia chinesa não podem ser recebidas com espanto, afinal o governo é sabidamente centralizador, o país persegue sua própria agenda econômica e interesses geopolíticos.

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“Pequim não leva em consideração o sentimento do mercado de ações ao definir as prioridades das políticas. O país está em processo de reestruturação – Pequim tem a mesma preocupação de segurança em relação a dados e tecnologia que a Casa Branca. Por isso o governo está aplicando restrições ao setor de tecnologia”, destacou Catechis.

Ele ressalta que o objetivo da China é crescer e ser relevante, mostrar que seu sistema funciona para garantir justiça social, que tem um governo responsivo, riqueza econômica e protagonismo no cenário mundial. Uma das justificativas para a intervenção no setor de educação é reduzir o custo das famílias e, indiretamente, estimular a natalidade após décadas de política de filho único.

A área de tecnologia e o setor de serviços, como saúde e educação, são considerados motores atuais e futuros da economia chinesa, assim como a infraestrutura e a indústria foram no passado recente. Nesse sentido, na visão dos analistas, não faz sentido temer que o governo do país vá prejudicar o desenvolvimento destas atividades.

“É fácil ficar pessimista, argumentar que o [presidente chinês] Xi Jinping é mais controlador, mas o sucesso da China está atado ao desenvolvimento de inovações tecnológicas feitas pelo setor privado. É difícil imaginar que o governo queira destruir esta fonte de crescimento”, observou Van de Walle.

As pressões do governo chinês sobre empresas privadas ocorrem por diferentes motivos alegados, como dar estabilidade ao sistema financeiro, no caso da Alibaba, proteção de dados (Didi), estímulo à concorrência (Tencent), garantir condições mínimas para trabalhadores (Meituan) e redução de custos para as famílias (empresas de educação); e no contexto de uma disputa por liderança econômica e tecnológica com os EUA. “E a China quer desenvolver seu próprio mercado financeiro”, comentou Van de Walle, em referência à pressão sobre as empresas chinesas listadas no exterior.

O executivo da Sycamore acrescenta que o pessimismo sobre o mercado chinês está “precificado”, o que significa que o papeis de empresas do país asiático, que já estavam mais baratos do que as ações de companhias norte-americanas, estão com valores ainda mais baixos, reforçando um importante argumento de compra. “A perspectiva de retorno é de 8% a 9% ao ano nos próximos dez anos. Nos Estados Unidos, a perspectiva é quase zero”, opinou.

Ele afirma que não se trata de desprezar o aumento do risco regulatório na China, que “ninguém entende muito bem” e tem impacto “bastante negativo para uma série de ações”, mas é razoável avaliar que seus efeito são temporários e não acabam com a as perspectivas positivas para o futuro.

Catechis analisa de maneira semelhante. “Para um investidor de longo prazo, isso é um processo que temos que acompanhar. Tentamos não nos colocar na frente do trem; as medidas restritivas serão precisas. Haverá chances de ganhar e de perder dinheiro, mas é importante ser claro sobre quais empresas estão nos trilhos do trem. No contexto chinês, toda empresa sabe onde estão os trilhos do trem”, disse. “Eu gosto do antigo provérbio chinês: ‘Mate a galinha para assustar o macaco’”, acrescentou.

Vale lembrar que as empresas chinesas são rápidas em atender às ordens estatais e a alinhar seu discurso com o do governo. “Na China os reguladores são fortes, a empresa não discute, sempre foi assim. Nos Estados Unidos há muita negociação, mas no fim vai haver mais regulamentação também”, comentou Van de Walle, referindo-se às big techs dos EUA.

Relatório da XP divulgado nesta quarta-feira vai na mesma linha.  “Nada indica que a China deixará de interferir nos mercados, mas a ideia de ‘acabar com os lucros corporativos’ é incompatível com os objetivos de ascensão econômica e tecnológica do país”, diz o texto assinado pela estrategista de ações Jennie Li e os analistas internacionais Rafael Nobre e Vinicius Araújo.

Eles acrescentam que, na prática, a movimentação atual resulta em preços mais baixos. “Para o investidor de longo prazo, isso significa comprar barato um enorme potencial de crescimento da região, mas que também exige mais estômago para enfrentar a volatilidade que deve perdurar por mais tempo”, afirma o relatório.

Jennie Li e o estrategista chefe e head de research da XP, Fernando Ferreira, falaram sobre o tema com a estrategista global de Asset Management do banco JP Morgan, Gabriela Santos, em videoconferência nesta quinta-feira.

Gabriela lembrou que nenhum outro país tem a escala da China em termos de mercado de consumo atual e em potencial, com cerca de 550 milhões de pessoas na classe média, mais do que o dobro de toda a população do Brasil, e com possibilidade de agregar mais meio bilhão de consumidores  no futuro. O país asiático tem mais de 1,4 bilhão de habitantes.

Ela acrescentou que, se hoje a China é o país que mais polui no mundo, é esperado um processo de transição energética robusto, com investimentos pesados em energias renováveis e em veículos elétricos.

Outra mão

As avaliações sobre o gigante asiático, porém, não são unânimes. O banco Credit Suisse divulgou nesta quinta um relatório em que diz ser “muito cedo para comprar China”.

Entre outros fatores, a instituição aponta que as medidas recentes do governo chinês “induziram baixa performance em curto prazo” e é difícil saber quando isso vai terminar. A legislação norte-americana sobre empresas estrangeiras listadas no país é outro limitador, segundo o banco.

O Credit Suisse informa também que desde o início do ano a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China foi a que teve maior revisão para baixo, em comparação com Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e Japão.

Como investir

O investidor brasileiro tem algumas opções para investir em papeis e fundos ligados direta ou indiretamente à economia chinesa. Estão listados na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) 22 BDRs de empresas chinesas, mais quatro BDRs de ETFs e um ETF aqui do Brasil mesmo, o XINA11.

BDR é a sigla para Brazilian Depositary Receipts. São certificados que representam ações emitidas por empresas em outros países. Negociados na B3, são uma maneira de investir aqui em papeis de companhias estrangeiras.

ETF é a sigla para Exchanged Traded Funds. São os chamados fundos de índices, fundos de investimentos atrelados a um índice de referência, por exemplo, o Ibovespa, principal indicador da B3. As cotas são também negociadas em bolsa. Os BDRs de ETFs são certificados que representam cotas de fundos de índices estrangeiros.

Os ETFs são fundos com gestão passiva, ou seja, tentam replicar o desempenho do índice ao qual estão atrelados. Há também fundos de gestão ativa expostos direta ou indiretamente à economia chinesa. A diferença dos últimos é que eles não precisam acompanhar o índice de referência, os gestores podem buscar opções para ter resultados maiores.

Além do XINA11, lançado pela XP, a corretora oferece o fundo Trend Bolsa Chinesa. Ambos são de gestão passiva e abertos para qualquer investidor, com aportes mínimos de R$ 10,00 e R$ 100,00, respectivamente.

A XP tem em sua plataforma outros seis fundos com exposição direta ou indireta à China, administrados por Aberdeen, JP Morgan e Wellington, gestoras de grade porte. Estes são para investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão em investimentos, e têm opção de exposição ou não ao câmbio. Três são ligados diretamente à China e três à Ásia de forma geral.

Responsável por análise e seleção de fundos na XP, Carolina Oliveira observa que os fundos representam uma opção mais fácil de investimento, pois sua gestão é delegada.

Ela ressalta que quem quer ter uma carteira internacional de investimentos deve pensar em diversificação geográfica, sendo que a China oferece empresas da área de tecnologia, por exemplo, sem similares por aqui, com uma dinâmica diferente, o que auxilia também na formação de um portfólio com diversificação setorial.

Apesar das notícias negativas e do recuo de ações de empresas chinesas na última semana, Oliveira destaca que a tese de investimentos na China segue válida. “É o país que está mais avançado na reabertura comercial [pós-pandemia]”, afirmou ela, acrescentando que a nação asiática saiu na frente na vacinação da população, praticamente recuperou os indicadores anteriores à pandemia e conseguiu retomar um ritmo normal de vida, o que resulta num crescimento significativo.

“Não acredito que seja necessário abandonar a tese de investimento [na China]. Houve um impacto [dos acontecimentos da última semana], há novos preços de entrada (mais baixos), mas não o suficiente para abandonar”, concluiu.

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Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney