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NOVA YORK – O Jeff Bezos descrito em “Amazon: A Loja de Tudo”, livro de 2013 que narra os primeiros anos de vida da empresa, é um empreendedor com inteligência acima da média, um visionário que enxergou o potencial de ruptura da internet e construiu uma companhia admirada e temida no mundo inteiro essencialmente à base de pura obstinação.
“Amazon Sem Limites”, que será lançado no Brasil em 2 de junho, é a continuação dessa história. Entre a publicação dos dois livros, o valor de mercado da Amazon superou US$ 1 trilhão e Bezos alcançou o posto de homem mais rico do mundo – mesmo depois do rumoroso divórcio de MacKenzie Scott, que foi sua mulher por 25 anos.
O novo livro, também de autoria do jornalista Brad Stone, tem um pouco de tudo: bastidores da Amazon, a metamorfose de Bezos (de nerd do Vale do Silício a magnata de Hollywood), brigas públicas com Donald Trump e uma história intrigante de possível espionagem por parte da família real saudita.
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“Sem Limites” também expõe o poder imenso da companhia. Com 1,3 milhão de funcionários ao redor do mundo e dezenas de milhões de quilômetros rodados por ano para fazer entregas, o impacto da Amazon nos pequenos negócios, nos trabalhadores e na saúde do planeta é uma das questões cada vez mais fundamentais para a companhia.
“Na época, achei que tivesse escrito um livro completo sobre a ascensão da Amazon”*, diz Stone. “Mas aí aconteceu uma coisa estranha. Em 2014, a Amazon lançou o primeiro Echo, o aparelho de som ativado por voz que abrigava a assistente virtual Alexa. (…) A Amazon estava passando da entrada das casas dos clientes e entrando na sala.”
Como o livro anterior, “Sem Limites” deixa claro que, para entender a Amazon, é preciso entender a personalidade de seu fundador.
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A história do desenvolvimento da Alexa é um exemplo clássico do estilo Bezos de inovação e gestão: ideias extremamente ambiciosas e uma tenacidade indomável para transformá-las em realidade.
O livro reproduz um rascunho desenhado por Bezos em 2011 mostrando o que seria produto: uma caixinha de som capaz de entender comandos por voz com um botão para desligar o microfone. E só. Os engenheiros e programadores que se virassem para construí-lo.
Incumbido de dirigir o projeto, o veterano Greg Hart disse a Bezos: “Jeff, não tenho experiência nenhuma com hardware, e a maior equipe de software que liderei tinha só umas 40 pessoas”.
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“Vai dar tudo certo”, respondeu Bezos.
Esse é um tema recorrente em ambos os livros. Na maior varejista online do planeta não há lugar para estruturas tradicionais de gestão e práticas comuns do mundo dos negócios.
Executivos são escolhidos para liderar iniciativas mesmo que não tenham conhecimento prévio. A lealdade a Bezos e a capacidade de “entregar” são tão ou mais importantes que credenciais técnicas.
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A tolerância com o “dedo do dono” também é essencial. Bezos se reunia quase diariamente com a equipe que desenvolveu o Echo, fazendo exigências, dando sugestões e abrindo os cofres.
O projeto consumiu centenas de milhões de dólares ao longo de três anos. Os desenvolvedores alugaram e mobiliaram apartamentos onde pessoas eram pagas para passar horas a fio lendo frases do dia-a-dia. O objetivo era treinar o sistema de reconhecimento de voz.
O resultado não foi exatamente o computador onisciente de “Jornada das Estrelas” imaginado por Bezos, um fã obcecado pela série de ficção científica.
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Mas o Echo foi pioneiro de uma nova categoria de produtos e permitiu à Amazon passar a perna em duas empresas que alguns anos antes jamais seriam consideradas concorrentes: Apple e Google.
Sucessos (e fracassos) espetaculares
Outra história relatada com detalhes é o crescimento espetacular da AWS, o negócio de computação na nuvem lançado pela Amazon em julho de 2002.
Durante décadas, a lucratividade da AWS foi guardada em segredo nos relatórios financeiros da Amazon. A empresa incluía os números da subsidiária em uma categoria de “outros” para não chamar a atenção de concorrentes como Microsoft e Google.
Mas a estratégia não duraria muito tempo. O negócio – “um dos maiores facilitadores do boom das startups pós-recessão, possivelmente mais importante até mesmo que o iPhone”, escreve Stone – estava ficando grande demais e teria de ser discriminado nos relatórios trimestrais.
Em abril de 2015, quando os números detalhados finalmente vieram a público, um analista chamou a AWS de “um maiores e mais importantes IPOs do setor de tecnologia.”
As ações da empresa subiram quase 15% no dia, “acabando com o mito de que a Amazon era uma máquina de perder dinheiro”.
Outra história contada em detalhes é a do Fire Phone, lançado alguns meses antes do Echo e considerado o maior fracasso dos 27 anos de história da companhia.
Quando foi lançado, depois de três anos de desenvolvimento, o aparelho foi encarado com desdém. O display tridimensional – ideia de Bezos – foi vista como uma “novidade pela novidade”. Apple e Samsung, líderes do segmento, ofereciam aparelhos muito mais próximos dos desejos do consumidor.
Uma passagem do desenvolvimento do Fire Phone é emblemática da transformação por que passava Jeff Bezos. Em uma reunião, o executivo pão-duro e obcecado com os consumidores perguntou: “Alguém realmente usa o [aplicativo] Agenda no celular?”
Um dos participantes, que não tinha uma equipe de assessores cuidando de seus compromissos, respondeu que sim, as pessoas de fato usam a agenda.
O brilho dos holofotes
A Amazon ainda está dando os passos iniciais no Brasil. Portanto é difícil para um brasileiro compreender a dimensão da companhia no dia-a-dia e no imaginário dos americanos.
Das icônicas caixas de papelão com fita adesiva preta às vans de entrega cada vez mais vistas nas ruas, a Amazon é um fenômeno nos EUA. Estima-se que quase 70 milhões de domicílios do país tenham assinatura do serviço Prime, que garante entrega gratuita em até dois dias.
Jeff Bezos, há muito tempo célebre na imprensa de negócios, passou a estampar também as páginas das revistas de celebridades.
Esse novo tipo de fama tem a ver com o serviço Prime Video, que compete diretamente com gigantes do entretenimento como Netflix, Disney e HBO.
Bezos, que sempre deu poucas entrevistas e protegeu a privacidade de sua família – ele e MacKenzie têm quatro filhos –, começou a promover festas estreladas na temporada de premiações de Hollywood.
Descrito como um fã de cinema, o bilionário do varejo estava “empolgado com a ideia de criar conteúdo original”, escreve Stone, “para a surpresa dos executivos do Amazon Studios, que se perguntavam se o chefe de uma empresa de US$ 100 bilhões não tinha nada melhor para fazer”.
A questão é que celebridades não podem controlar a narrativa – nem mesmo aquelas com uma fortuna de US$ 186 bilhões.
Em fevereiro de 2019, o tabloide sensacionalista National Enquirer publicou fotos exclusivas de Bezos com a ex-apresentadora de TV Lauren Sanchez.
Stone descreve o imbróglio em detalhes, e eles são muitos. Alguns destaques:
- A história foi vendida à publicação pelo irmão de Sanchez, com quem ela havia compartilhado algumas das mensagens trocadas com o CEO;
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O tabloide é o mesmo que, em 2016, comprou o silêncio de mulheres que tiveram casos com o então candidato à presidência dos EUA Donald Trump – inimigo declarado de Bezos por causa da cobertura negativa que ele recebia do Washington Post, jornal comprado pelo fundador da Amazon em 2013;
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A família real saudita teria tentado hackear o celular de Bezos, em retribuição pela cobertura do assassinato de Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post. A invasão, que teria se dado por um vídeo enviado por WhatsApp, nunca foi confirmada.
Com tantos elementos farsescos, o episódio consumiu a mídia americana durante alguns dias e é relatado em detalhes em “Sem Limites”.
Mas, como aponta Stone, ele também representa um marco. Divorciado, com uma namorada nova, Bezos estava saindo do casulo, “um cara bem-vestido, com físico de personal trainer, riqueza exorbitante e uma fama que causava admiração reverente até mesmo nos altos escalões da elite cosmopolita”.
A vida pós-Amazon
Em fevereiro deste ano, Bezos anunciou que Andy Jassy, responsável pelo sucesso da AWS, seria seu sucessor no cargo de CEO (ele vai manter a presidência do conselho de administração). A transmissão da coroa está marcada para o dia 5 de julho.
Assim, Bezos terá tempo para dedicar-se a iniciativas como o fundo Bezos Earth, o Washington Post e a companhia de exploração espacial Blue Origin (que concorre com a SpaceX, de seu rival Elon Musk).
Seu legado de sucesso na história dos negócios parece garantido, pelo menos quando se avaliam os resultados da empresa.
Mas uma outra métrica – ainda difusa, mas que vem ganhando foco, especialmente por causa da pandemia – é o impacto da Amazon na sociedade.
Bezos é um opositor ferrenho dos sindicatos e da organização dos trabalhadores. Igualmente, a história da Amazon está repleta de episódios em que a companhia optou por passar por cima de custos e as responsabilidades legais de certas operações.
É o caso da chamada “última milha” das entregas. “Sem Limite” descreve empresas de delivery terceirizadas sob pressão enorme para cumprir metas agressivas. O livro relata o caso de uma mulher de 84 anos morta após ser atropelada por uma van que fazia entregas para a Amazon.
As condições de trabalho nos armazéns da companhia também são objeto de uma parte importante do livro. Apesar de a companhia ter anunciado um aumento dos salários pagos para os trabalhadores dos armazéns – muitos deles sazonais -, as condições de trabalho ainda são excruciantes.
São incontáveis os relatos de funcionários que caminham mais de 20 quilômetros diários montando pedidos em um dos 185 centros de distribuição da empresa espalhados pelo mundo (110 ficam nos Estados Unidos).
O livro termina com um capítulo sobre a pandemia. A Amazon foi uma das primeiras empresas a entender o impacto da crise sanitária em seus negócios.
Ainda em fevereiro, um mês antes de a OMS classificar a Covid-19 uma pandemia, a empresa já tinha contratado um epidemiologista da Universidade Columbia para orientar as ações tomadas pela companhia.
Mesmo com a implementação rápida de medidas de segurança, a explosão do comércio eletrônico aumentou ainda mais a pressão sobre os armazéns – e trouxe consigo vários relatos de condições de trabalho perigosas para os funcionários.
Com a expansão da empresa para novos setores e novas partes do mundo, os olhares – de admiradores e críticos – estarão cada vez mais voltados para o que emana de Seattle.
A história de Bezos à frente da Amazon pode estar chegando ao fim, mas a da empresa ainda tem muitos capítulos a serem escritos.
Para entendê-los, e a um dos homens de negócios mais peculiares e obstinados que o mundo já conheceu, “Amazon Sem Limites” é leitura essencial.
“Amazon Sem Limites”
Editora Intrínseca
512 páginas
* A resenha foi escrita com base na edição original, em inglês. Os trechos reproduzidos foram traduzidos livremente.
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