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BRASÍLIA – A gestão do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello preteriu as negociações com o laboratório norte-americano Pfizer para a compra de vacinas contra a Covid-19 por acreditar que o país não precisaria de mais imunizantes além dos acordos para produção nacional das vacinas Oxford-AstraZeneca e CoronaVac, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento da questão.
A discussão sobre a demora na compra da vacina da Pfizer está no centro das investigações da CPI da Covid do Senado. Nesta quarta-feita, presta depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fábio Wajngarten, que acusou Pazuello de travar a compra do imunizante.
A avaliação feita dentro do ministério no ano passado era que o importante seria garantir vacinas nas quais o Brasil conseguisse transferência de tecnologia, caso da britânica Oxford-AstraZeneca com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da chinesa CoronaVac, da Sinovac, com o Instituto Butantan, conforme as duas fontes, que falaram sob condição de anonimato.
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Segundo uma das fontes, entre agosto e setembro do ano passado, a avaliação interna no ministério era ainda de que o país nem precisaria de uma ampla gama de vacinas contra a Covid-19, não justificando assim um acerto com a Pfizer.
Outra fonte contou que Pazuello não considerava necessário sequer negociar diretamente com a cúpula da Pfizer sobre a aquisição do imunizante.
“Quando se fechou o acordo com a AstraZeneca, tinha uma previsão otimista de haver a produção nacional. A Pfizer entra no contexto de o país não precisar dela”, disse a fonte.
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A Pfizer apresentou sua primeira proposta de venda de vacinas ao governo brasileiro em meados de agosto de 2020, conforme comunicado da empresa. Na tentativa de acordo que previa o repasse de 70 milhões de doses, o laboratório pretendia entregar as primeiras doses em dezembro passado, mas as tratativas não avançaram.
O primeiro contrato com o laboratório para a compra de 100 milhões de vacinas somente foi assinado em 18 de março, às vésperas da saída de Pazuello do comando do Ministério da Saúde. A vacina já contava com registro concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há quase um mês.
Naquele momento, por outro lado, o ministério já havia assinado contratos de compra das vacinas Covaxin, da indiana Bharat Biotech, e Sputnik V, da Rússia — ambas até hoje ainda sem aprovação para uso no país por parte da Anvisa.
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Segundo o ex-secretário de Comunicação Wajngarten, em declaração publicada pela revista Veja, ele foi procurado diretamente por representantes da Pfizer após executivos do laboratório não conseguirem se reunir com a cúpula da Saúde na gestão de Pazuello. Uma das fontes disse à Reuters que as informações de Wanjgarten sobre a Pfizer “não estão erradas”.
Embora estivesse claro que não se queria no final do ano passado fechar com a Pfizer, segundo essa fonte, a pasta buscou tentar preservar a relação do laboratório com o Brasil no caso de necessidade de aquisição.
Um memorando de entendimento para a compra de 70 milhões de doses da vacina foi assinado no início de dezembro como uma estratégia para amarrar a empresa, disse a outra fonte.
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Somente com o recrudescimento da pandemia no país entre o fim do ano passado e início de 2021 e os atrasos no cronograma de produção da vacina Oxford/AstraZeneca pela Fiocruz o governo decidiu-se pela compra de mais imunizantes — mas, ainda assim, a Pfizer era alvo de ataques.
Críticas públicas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro em relação às cláusulas contratuais do imunizante atrapalharam as negociações, disseram as fontes. Em 19 de dezembro, Bolsonaro chegou a dizer que a vacina da Pfizer poderia transformar a pessoa em jacaré.
“Lá no contrato da Pfizer está bem claro: nós (a Pfizer) não nos responsabilizamos por qualquer efeito secundário. Se você virar jacaré, é problema seu”, disse ele, em evento realizado na Bahia.
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No dia 23 de janeiro, o Ministério da Saúde divulgou uma dura nota em que disse que as doses iniciais oferecidas pela Pfizer ao Brasil seriam “mais uma conquista de marketing, branding e growth para a produtora de vacina, como já vem acontecendo em outros países”. Afirmou que causaria frustração em todos os brasileiros por serem poucas doses.
O comunicado também informava que havia “cláusulas leoninas e abusivas” estabelecidas pelo laboratório que criavam uma barreira de negociação e compra, citando questões de isenção de se responsabilizar a empresa por efeitos adversos e pequena quantidade de doses ofertadas. Essa nota, aliás, foi avalizada pelo Palácio do Planalto, disse uma das fontes.
As duas fontes, entretanto, minimizaram as alegadas dificuldades apontadas por integrantes do governo para fechar o contrato com a Pfizer.
“As cláusulas poderiam ser muito bem negociadas. Quem comprou Pfizer, comprou daquele jeito”, afirmou uma delas, destacando que houve um trabalho interno para evitar o fim das negociações com o laboratório em razão de manifestações públicas do governo.
“Era uma justificativa muito boa, mas uma justificativa (a questão das cláusulas)”, disse a outra fonte. “Pense na pandemia, o mundo inteiro trabalhando em conjunto, há uma cooperação mundial. Nesse contexto, há alguma coisa que não possa ser superável? Se os outros países fecharam acordo, o que não pode ser superado”, reforçou.
Diante das críticas de Bolsonaro, a Pfizer afirmou em repetidas notas que não podia comentar detalhes da negociação em curso, mas que as cláusulas apresentadas ao governo estavam em linha com os acordos fechados em outros países, inclusive na América Latina.
“Vale reforçar que a Pfizer encaminhou três propostas ao governo brasileiro, para uma possível aquisição de 70 milhões de doses de sua vacina, sendo que a primeira proposta foi encaminhada pela companhia em 15 de agosto de 2020 e considerava um quantitativo para entrega a partir de dezembro de 2020”, disse a empresa em nota de janeiro deste ano, quando o acordo ainda não havia sido fechado.
O Ministério da Saúde não respondeu de imediato o pedido de comentário, e não foi possível localizar Pazuello ou um representante do ex-ministro para pedir um comentário.
Com a demora nas negociações, as primeiras doses de vacinas da Pfizer só chegaram ao país no dia 29 de abril — mais de quatro meses depois da primeira previsão de oferta. O laboratório deve fechar esta semana um segundo contrato com o governo para fornecer ao Brasil outras 100 milhões de doses do imunizante.
Coronavac
Outro capítulo nas tratativas de compra de vacinas diz respeito à vacina chinesa CoronaVac.
Mesmo prevendo transferência de tecnologia, a compra da CoronaVac entrou numa espécie de limbo em outubro após Bolsonaro ter vetado o anúncio feito por Pazuello de compra de 46 milhões de doses desse imunizante e dito publicamente que não iria comprar a vacina.
Segundo as duas fontes, no entanto, as tratativas com o Butantan jamais foram totalmente canceladas, apesar das críticas feitas por Bolsonaro ao imunizante por ser fabricado no instituto ligado ao Estado de São Paulo — governado por João Doria (PSDB), desafeto do presidente.
“Era uma disputa pessoal”, disse uma das fontes. “Nunca houve desistência do contrato.”
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