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Mais uma vez o presidente da República perdeu excelente oportunidade de manter a boca fechada ao tratar do mercado de trabalho.
Em sua primeira manifestação sobre o tema, em 2018, já havia demonstrado a considerável extensão de sua ignorância sobre o assunto ao afirmar que a estatística de desemprego estimada pelo IBGE “era uma farsa”, assegurando que “quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado”, todos exemplos errados acerca de como o IBGE calcula a taxa de desemprego (em nenhum destes casos, diga-se, a pessoa é considerada “empregada”).
Naquele momento, sua (na falta de melhor expressão) “argumentação” parecia sugerir que o IBGE subestimava a verdadeira taxa de desemprego, daí a expressão “farsa”.
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Agora, porém, já sob a responsabilidade de governar o país (da qual se esquiva com a presteza de uma bola de boxe, mas trata-se de assunto para outro dia), o sentido das críticas é outro.
Confrontado com a divergência que exploramos semana passada, entre os números provenientes do Novo Caged e os originários da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), agora assevera que o desemprego (20 milhões de pessoas, segundo o presidente) está “inflado porque a metodologia do IBGE consideraria como empregados os 40 milhões de informais que perderam trabalho na pandemia.” São muitos os erros por caractere. Iremos por partes.
Fonte: PNAD
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A tabela acima descreve a ocupação total (86 milhões de pessoas) no trimestre terminado em janeiro de 2021, segmentada pela posição do trabalhador no emprego: empregados no setor privado (com e sem carteira de trabalho); trabalhadores domésticos (idem); empregados no setor público (com e sem carteira, mais os estatutários); empregadores (com e sem CNPJ); trabalhadores por conta própria (idem); e, por fim, o trabalhador familiar auxiliar (tipicamente alguém que acompanha um familiar no emprego).
A primeira informação a notar é a queda do emprego total no período, correspondente a pouco mais de 8 milhões de pessoas. No mercado “formal”, aqui definido como os portadores de carteira de trabalho ou CNPJ, a redução foi de 4,5 milhões de postos; no mercado informal (correspondendo àqueles sem carteira, sem CNPJ e os auxiliares) a contração também atingiu 4,5 milhões. O único setor a registrar expansão no período foi o de estatutários: pouco mais de 800 mil.
Não houve, como se vê, perda de 40 milhões de empregos informais, ao contrário do que afirmou o presidente. Também não estavam vendendo “churrasquinho de gato” ou “catando latinha”.
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Praticamente dois terços dos informais que perderam o emprego trabalhavam ou para o setor privado, ou como empregados domésticos. Já o terço restante, trabalhadores por conta própria, consistia principalmente de pequenos prestadores de serviços, como manicures, motoristas de Uber, entregadores e cabelereiros.
Talvez a excessiva proximidade do presidente com vendedores de açaí, como sua amiga Wal, tenha distorcido sua visão acerca deste universo.
De qualquer forma, a divergência entre PNAD e Caged não se resume aos empregos informais, dado que a primeira mostra também forte contração do emprego com carteira, em oposição à suposta criação de 474 mil postos formais apontada pela última.
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Já no que se refere ao desemprego, a estimativa do IBGE para janeiro é de 14,3 milhões de pessoas (ganha um açaí da Wal quem adivinhar de onde veio o número de 20 milhões citado pelo presidente), que, comparado ao tamanho da força de trabalho (pessoas ocupadas e buscando trabalho), 100,3 milhões de pessoas, se traduz na taxa de desemprego oficial de 14,2% naquele mês, contra 11,2% em janeiro de 2020.
Também ao contrário do afirmado pelo presidente, o aumento do desemprego não resultou de mais pessoas buscando trabalho (“Como não tem ganho, não tem como catar latinha mais, não tem latinha por aí, procuraram emprego. Ao procurar emprego, tínhamos 14 milhões de desempregados e agora temos mais de 20 milhões”).
Em janeiro do ano passado, a força de trabalho correspondia a 106,1 milhões de pessoas contra as já mencionadas 100,3 milhões em janeiro de 2021, queda de 5,4% em 12 meses, o que ajudou a reduzir a estimativa da taxa de desemprego.
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De fato, a taxa de participação, isto é, a proporção de pessoas presentes na força de trabalho entre aqueles com mais de 14 anos, caiu para 56,8% em janeiro de 2021 comparada a 61,7% em janeiro de 2020, valor este muito próximo à média observada entre 2012 e 2019 (61,5%).
Caso a participação tivesse se mantido na média histórica, teríamos 108,6 milhões de pessoas na força de trabalho.
Assim, descontados os 86 milhões de ocupados, seriam 22,6 milhões de desempregados, correspondentes a quase 21% da força de trabalho assim estimada.
Na verdade, portanto, a situação do mercado de trabalho é ainda pior do que a apontada pelo IBGE, não por falha deste, mas porque a epidemia tem mantido muitas pessoas ainda à margem do mercado, fenômeno imperfeitamente capturado pelas estatísticas normais de desemprego.
Outras estatísticas calculadas pelo IBGE, todavia, notadamente a medida mais ampla de subutilização de trabalho, que considera também as pessoas subocupadas (que gostariam de trabalhar mais do que o fazem), bem como as desalentadas (que não buscam emprego por falta de perspectivas), aponta para valor correspondente a 29% da força de trabalho (ampliada pelos desalentados), contra 23% um ano antes, expressando o tamanho do problema.
Em tantas palavras, o mercado de trabalho no Brasil permanece extraordinariamente frouxo, revelando enorme ociosidade, exatamente o oposto do sugerido pelo presidente.
Não é, nem de longe, erro tão grave quanto suas intervenções sobre a saúde pública, mas revela que a ignorância presidencial não se limita a um assunto.
Somos governados por um polímata às avessas, cuja estupidez perpassa vários aspectos do conhecimento humano.
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