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SÃO PAULO – Para analistas e economistas, a reforma ministerial realizada nesta segunda-feira (29), que atingiu seis pastas, traz ainda mais pressão sobre a Bolsa. À primeira vista, a percepção é de que as trocas mostram que o governo Bolsonaro está enfraquecido e o Centrão fortalecido, o que pode se traduzir em mais pressão dos parlamentares por aumento de gastos públicos e elevação do risco fiscal.
Por outro lado, ao ceder a Secretaria do Governo ao Centrão, um dos analistas pondera que a troca de farpas entre Executivo e Congresso pode diminuir, abrindo espaço para acordos melhores e um ajuste fiscal de longo prazo.
Dança das cadeiras
As primeiras notícias saíram na manhã desta segunda, com fontes próximas ao Ministério das Relações Exteriores dizendo a alguns veículos que o ministro Ernesto Araújo teria pedido demissão no fim desta manhã. Poucas horas depois, veio a notícia oficial sobre a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
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De acordo com informações da Folha de S. Paulo e do Estadão, Bolsonaro teria pedido a demissão de Azevedo e Silva, com o presidente mostrando sinais de insatisfação após Azevedo ter entrado em campo para contemporizar falas dele a respeito dos militares. Os jornais citam fontes próximas ao governo que dizem que o presidente queria maior apoio militar, inclusive para agir contra lockdowns propostos por governadores.
Mas as mudanças não pararam na Defesa e nas Relações Exteriores. No início da noite desta segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro oficializou as trocas e confirmou que o governo está realizando uma reforma ministerial.
No lugar de José Levi Amaral, que já havia comunicado no fim da tarde sua demissão da chefia da Advocacia-Geral da União (AGU), assume André Mendonça, que já chefiou a AGU no início do governo e está atualmente no Ministério da Justiça. O secretário de segurança pública do Distrito Federal, Anderson Torres, assume no lugar de Mendonça na Justiça.
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Na Defesa, Azevedo será substituído pelo general Walter Braga Netto, atualmente na Casa Civil. Com isso, Luiz Eduardo Ramos assume a Casa Civil e deixa a Secretaria de Governo. Conforme havia adiantado o time de análise da XP Política, a pasta será comandada por um nome do Centrão, na esteira das pressões que o Planalto tem sofrido para que os parlamentares tenham mais participação no governo. O nome definido foi o da deputada federal Flávia Arruda (PL-DF).
Veja as trocas:
Pasta | Nome indicado |
Ministério das Relações Exteriores | Carlos Alberto Franco França, diplomata de carreira que estava na assessoria especial da Presidência da República |
Ministério da Defesa | Walter Souza Braga Netto, atual chefe da Casa Civil |
Advocacia-Geral da União | André Mendonça, que já chefiou a AGU e estava no Ministério da Justiça |
Ministério da Justiça | Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; |
Casa Civil | Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo |
Secretaria de Governo | Deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) |
Fonte: Ministério das Comunicações
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A saída de Ernesto Araújo era a única amplamente esperada. Parlamentares – inclusive os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) – pediram abertamente sua demissão. A gota d’água teria sido um tuíte de Araújo no final de semana, no qual o ministro atacou a presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), senadora Kátia Abreu (PP-TO), dizendo que ela fazia pressão pela sua saída porque estaria defendendo interesses chineses no leilão de 5G.
A reação de Kátia e dos demais senadores foi imediata e dura, inclusive com quatro deles preparando um pedido de impeachment a ser apresentado à mesa da Câmara dos Deputados.
Para Roberto Attuch, CEO da Ohm Research, a saída de Araújo especificamente pode trazer benefícios para a economia brasileira mais à frente, uma vez que a relação do ministro com a China sempre foi turbulenta. “Em médio prazo, é muito importante que o país tenha relações mais construtivas com a China, seu maior parceiro comercial. Lembremos da primeira lição em diplomacia: países não têm amigos, tem interesses”, diz.
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Para o Itamaraty, além do Senado apontar nomes da Casa como ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (Pros-AL), Nelsinho Trad (PSD-MS) e Antonio Anastasia (PSD-MG), um dos mais cotados era o atual embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra.
O nome de Serra era defendido por bolsonaristas mas, de acordo com o G1, o governo optou por um diplomata de perfil mais discreto, promovido a embaixador há menos de dois anos. França é visto como um diplomata de estilo discreto, ponderado e muito aplicado para cumprir as tarefas, ganhando assim a confiança de Bolsonaro.
Thiago Vidal, gerente de análise política da Prospectiva, diz que o governo optou por França para atender à demanda dos congressistas, mas sem deixar totalmente de acenar à ala mais ideológica. “Um nome mais equilibrado era importante para o Congresso, mas por outro lado França é um diplomata que não tem tanta bagagem quanto os outros cotados. Isso sinaliza que pode haver uma diminuição na tendência ‘olavista’, mas que ela não foi 100% eliminada”
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Sobre a indicação de Flávia Arruda, o analista da Prospectiva lembra que a deputada é casada com José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal. “O ex-governador foi preso em 2010 e, como ficou fora da política formal, lançou a esposa como sua substituta. Ela passou a presidir a Comissão Mista de Orçamento. Ela foi indicada pelo [Arthur] Lira [presidente da Câmara dos Deputados] e tem um bom trânsito com os parlamentares.”
Ele observa que as mudanças nos ministérios foram conservadoras, já que só dois dos quatro novos ministros não faziam parte do governo e Flávia Arruda foi a única indicada pelo Centrão diretamente. “Isso cria uma dúvida, se essa indicação sozinha será suficiente para estancar sangria entre governo e Congresso”, diz Vidal.
Bolsonaro perde força e Centrão se fortalece
Em reportagem anteriormente publicada pelo InfoMoney, analistas avaliaram que a pressão sobre o governo Bolsonaro subiu nas últimas semanas diante de três fatores: a entrada do ex-presidente Lula na disputa eleitoral de 2022; a carta aberta dos economistas, que mostra que banqueiros e participantes do mercado financeiro desembarcaram do governo; e o recrudescimento da pandemia, que levou o Brasil a ser visto inclusive por organismos internacionais como exemplo de má gestão da pandemia.
A análise feita é de que a perda de popularidade do presidente, somada às pressões de economistas e da classe política, tem enfraquecido o presidente e fortalecido o Centrão – a reforma ministerial feita, em parte, para atender aos interesses dos congressistas é prova desse fortalecimento. Quando isso acontece, os parlamentares passam a definir a pauta econômica e não mais o Executivo.
Se de fato o Centrão tomar a dianteira, a dúvida que fica é: qual seria a agenda liderada pelo Congresso? Ainda que os parlamentares tenham dado sinais de que apoiam uma pauta mais liberal, Fabio Klein, economista da Tendências, afirma que, com as eleições de 2022 se aproximando e o aumento da pressão de governadores sobre os parlamentares aliados por mais gastos e emendas, medidas de ajuste fiscal perdem espaço.
“Daqui para a frente, Bolsonaro vai atender mais o ministro Paulo Guedes na pauta de ajuste fiscal ou o Centrão? Acredito que mais o Centrão. O sinal amarelo do Lira na semana passada deixou o presidente ressabiado porque agora o Congresso tem uma baita carta na mão – a ameaça de impeachment – que faz o presidente ceder aos pleitos dos parlamentares”, diz Klein.
Sergio Vale, sócio e economista-chefe da MB Associados, concorda que a pauta de ajuste fiscal perde espaço e que o Centrão passou a liderar a agenda econômica, com o enfraquecimento de Bolsonaro. Para ele, as trocas ministeriais só reforçam o cenário de reformas travadas. “Nada mudou, o cenário continua piorando gradativamente. Colocar o Centrão dentro do Planalto reforça a perspectiva de expansão de gastos e nenhuma reforma estrutural. Já estava claro que essas reformas não ocorreriam e com o Centrão no comando é que elas não vão andar mesmo”.
Para Bruno Musa, economista da Acqua Investimentos, as trocas ministeriais, assim como a “festa das emendas” no Orçamento de 2021 e o “sinal amarelo” de Lira ao presidente Bolsonaro são todos eventos ligados ao avanço do poder do Centrão frente ao Planalto. “Com o Centrão no poder, aumenta a pressão fiscal e fica claro que o país não tem diligência nenhuma sobre os gastos públicos”, diz.
Analistas acreditam que o cenário de afrouxamento de gastos, com o Centrão avançando em pautas mais eleitoreiras e se afastando da agenda de ajuste fiscal, reforça a visão de que o mercado brasileiro deve “andar de lado” no curto prazo. No médio prazo, porém, o avanço da vacinação pode trazer algum alento e impulso para a Bolsa, ainda que a deterioração das contas públicas impeça um avanço mais consistente.
Outra visão
Bruno Marques, gestor de fundos multimercados da XP Asset Management, faz uma leitura diferente do cenário que se apresenta após a reforma ministerial. Ele pondera que com o Centrão assumindo a Secretaria do Governo, a tensão entre Legislativo e Planalto pode diminuir, inclusive aliviando a pressão fiscal.
“A visão que criamos é de que o Centrão está sempre querendo abocanhar alguma coisa, mas isso não é exclusivo do Centrão e eles estão dispostos a fazer acordos. O mais importante é que o governo precisa de força. A política abomina o vácuo, então com um fortalecimento via reforma ministerial seria possível segurar essas demandas mais gastadoras e fazer acordos melhores para o ajuste fiscal de longo prazo”, diz Marques.
Para ele, o governo Bolsonaro se transformou no ano passado em um presidencialismo de coalizão. “Quando Bolsonaro achou que não podia fazer política ele não conseguiu aprovar nada”, afirma, acrescentando que trazer os partidos do Centrão para dentro do governo pode ser um fator positivo para a economia porque significa que o governo está dando um passo em direção ao pragmatismo.
Thiago Vidal, da Prospectiva, propõe uma outra interpretação ainda. Para ele, a entrada de Flávia Arruda na Secretaria do Governo representa um cenário de maior interlocução entre o Congresso e o governo, mas também de mais gastos públicos.
“Basta olhar o exemplo do Orçamento: o Congresso fez uma peça orçamentária fictícia e superestimou a capacidade do governo de pagar emendas. A tendência de mais gastos está dada com o Centrão no Planalto. E o próprio presidente, para ganhar a eleição, vai querer gastar mais. Não é uma discussão binária, em que temos de um lado uma conversa mais amistosa com o Congresso e menos gastos e de outro atritos e mais gastos, vejo uma terceira via: mais interlocução e também mais gastos”, diz Vidal.
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