Nova nota de R$ 200: o real merece respeito – e o BC também

A nova cédula de R$ 200 fez com que muitos criticassem nossa moeda – nas redes, houve quem nos comparasse com o Zimbábue. A comparação é injusta. O real tem sido uma boa moeda. Precisamos ressaltar isso justamente para que o Brasil não volte a merecer comparações com o Zimbábue.

Pedro Menezes

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Imagem do Banco Central com ilustração da nota de R$ 200
Imagem do Banco Central com ilustração da nota de R$ 200

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As notas de real trazem duas figuras principais, uma de cada lado: um bicho e um rosto humano. Os bichos, no caso, são alguns animais da fauna brasileira que correm risco de extinção. O rosto é de Mariana, uma personificação simbólica da República e da liberdade que ganhou notoriedade a partir da Revolução Francesa.

Com frequência, deixamos de apreciar a importância e a beleza da moeda mais confiável da história do Brasil. Ao discutir o real em 2020, é importante lembrar do que aconteceu por estas terras nos séculos 16, 17, 18, 19 e 20. O Brasil tardou a ter uma moeda que atendesse simultaneamente a suas três funções clássicas: unidade de conta, reserva de valor e meio de troca.

Nos primeiros séculos após a chegada dos portugueses, havia uma tremenda escassez de papel-moeda – o que começa a mudar no século 18, especialmente com o avanço do ciclo do ouro.

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Depois que esse problema foi resolvido, nos faltou uma moeda capaz de servir como reserva de valor. O encilhamento no fim do século 19 e a hiperinflação são apenas exemplos marcantes de uma economia que passou quase 5 décadas suportando uma inflação (acumulada em doze meses) na casa dos dois dígitos, sem cair abaixo disso durante um mês sequer. Ativos denominados em moeda brasileira foram vistos com desconfiança por muitas décadas.

Tudo mudou com o real, que funciona bem como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Ter uma moeda confiável trouxe benefícios todos os setores da população. Não deveria existir controvérsia ideológica sobre isso.

Socialistas deveriam lembrar que a valorização do salário mínimo só foi sustentável com o Real. Liberais deveriam perceber que o advento do dinheiro confiável permitiu o avanço da divisão do trabalho, com o surgimento de um mercado financeiro sem paralelo histórico no Brasil. E os conservadores deveriam respeitar o Real pela estabilidade e paz que trouxe ao país, contendo a sanha populista dos políticos brasileiros – uso a palavra na definição discutida por Dornbusch em seus clássicos escritos sobre o populismo econômico latino-americano, uma leitura que vale a pena.

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Faço esta longa digressão para lembrar que o real merece respeito. A criação da cédula de R$ 200 fez com que muitos criticassem nossa moeda – nas redes, houve quem nos comparasse com o Zimbábue. A comparação é injusta e não faz sentido. O real tem sido uma boa moeda. Precisamos ressaltar este ponto justamente para que o Brasil não incorra em erros do passado e volte a merecer uma comparação com o Zimbábue.

Por que a nova cédula foi criada?

Há uma explicação conjuntural, outra estrutural.

A explicação estrutural tem relação com o nosso regime monetário – o de metas de inflação. Este regime não prevê deflação ou inflação zero. Nas regras vigentes, o importante é ter uma inflação positiva, estável e, principalmente, previsível, tão próxima da meta quanto possível.

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Mesmo se o Banco Central fosse perfeito na gestão do sistema de metas, o real continuaria perdendo valor ao longo do tempo e haveria a necessidade de criar novas cédulas mais altas de vez em quando. Com a nota de R$ 200, o BC aumentou o valor da cédula mais alta pela primeira vez em 26 anos.

A outra razão, conjuntural, diz respeito ao momento no qual essa mudança estruturalmente inevitável vai acontecer. A criação de uma nova cédula com denominação mais alta é operacionalmente útil para que o Banco Central renove o dinheiro em circulação. Com o tempo, a substituição de duas cédulas de R$ 100 por uma de R$ 200 começa a fazer sentido na logística da autoridade monetária.

O Banco Central divulgou as razões conjunturais que justificam a criação da cédula de R$ 200 neste momento. E os argumentos fazem sentido.

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Qual a explicação do Banco Central?

 Ao anunciar que o lobo-guará estreará como bicho de cédula, o Banco Central divulgou um material explicativo com 12 slides que você pode acessar diretamente aqui. Outro material crucial para entender a nova nota é a coletiva na qual Carolina Barros, diretora do BC, explica os motivos para a criação da nova cédula – você pode assistir à coletiva clicando aqui.

Os motivos são muito bem apresentados. Na visão do BC, este é o momento adequado para fazer aquela mudança que, como argumentei acima, seria inevitável. Com a pandemia, três fenômenos ocorreram: aumento do entesouramento, diminuição na velocidade de circulação do dinheiro e aumento da demanda por papel-moeda. Traduzindo do economês: muitas pessoas estão guardando mais dinheiro em casa, o dinheiro circula menos e, apesar disso, há um aumento da demanda por papel-moeda com o advento do auxílio emergencial.

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Na apresentação do BC, diversos dados relevantes são apresentados ao público.  A  nota de R$ 200 é comparada, por exemplo, com o valor em dólar da cédula de maior denominação noutras moedas. E a conclusão é que a nova nota do lobo-guará não coloca o Brasil como uma exceção ao padrão internacional.

Outras informações interessantes se referem à quantidade de papel-moeda em circulação. Esta não apenas aumentou durante a pandemia, mas também aumentou em proporção muito acima da esperada pelo Banco Central, o que justificaria a criação da nova moeda.

A segurança do sistema financeiro, assim como o combate à lavagem de dinheiro, são outros pontos abordados. O BC mostra como as medidas de combate ao crime vão muito além da decisão sobre criar uma nova cédula.

De fato, quando penso nas raízes da criminalidade financeira no Brasil, o valor das notas de real não me vem à cabeça entre as principais explicações. O ônus da prova deve ser de quem aponta a nova nota de R$ 200 como incentivo ao crime. Até o momento, os críticos da medida não apresentaram evidências convincentes sobre o que dizem.

É essencial assistir à coletiva do Banco Central antes de opinar sobre a nova cédula. E, factualmente, as explicações são boas e dialogam com os pontos levantados pelos críticos.

Há um argumento que não abordei até agora: será que o BC não deveria usar as dificuldades operacionais do momento para aprofundar a digitalização da moeda, ao invés de criar uma nova cédula? O que esse argumento não mostra, porém, é que o BC brasileiro já vem fazendo um esforço consistente neste sentido, que merece reconhecimento.

O Banco Central merece respeito

Houve um tempo em que o Banco Central do Brasil merecia diversas críticas, especialmente no período de hiperinflação. Desde o advento do real em 1994 e, posteriormente, do tripé macroeconômico em 1999, o nosso BC se estabeleceu como uma das instituições mais sérias do Estado brasileiro. Apesar de um interregno irresponsável na gestão de Dilma e Tombini, a diretoria do BC merece nosso respeito pela atuação nas últimas décadas.

Isso se expressa no regime de metas de inflação, cumprido com relativo sucesso no Brasil. Mas não só. As contas externas foram recuperadas nos anos 2000 com um acúmulo de reservas sem precedentes na história nacional. O braço regulatório do BC foi capaz de gerar um sistema financeiro sólido e confiável, capaz de atravessar crises financeiras globais como a de 2008 sem gerar grande turbulência interna.

Nos últimos anos, esse braço regulatório começou a se modernizar com a agenda BC# – chamada de BC+ durante boa parte da gestão Ilan Goldfajn. Essa agenda tem 4 objetivos fundamentais – inclusão, competitividade, transparência e educação – e tem planos ambiciosos no campo da digitalização.

A adoção de novas tecnologias tem sido uma prioridade, especialmente na gestão Campos Neto. O leitor pode ler o balanço de Campos Neto sobre a agenda BC# em 2019 clicando aqui. As medidas incluem incentivos a pagamentos instantâneos e meios digitais.

Essa nova postura do BC, adotada especialmente nas gestões de Goldfajn e Campos Neto, já é nítida no cotidiano do brasileiro. Novos bancos digitais surgem a cada dia, fintechs novatas e empresas de tecnologia já consolidadas se interessam em criar soluções de meios de pagamento digitais com ajuda do Banco Central.

Apesar do futuro indicar a digitalização, como o próprio BC reconhece, é importante considerar que a esmagadora maioria dos brasileiros ainda usa o papel-moeda como meio de pagamento prioritário.

Mais do que isso, não podemos esquecer que o país tem profundos problemas de inclusão financeira que não serão resolvidos da noite pro dia. Ainda há muita gente desbancarizada no Brasil.

Consequentemente, não seria possível driblar os problemas operacionais de curto prazo com uma agenda que é, necessariamente, voltada ao longo prazo. Talvez o Banco Central decida abandonar a nota de R$ 200 daqui a alguns anos como forma de incentivar a digitalização. Mas é fato que, hoje, este é um sonho distante.

Quem realmente merece essas críticas

Quem se preocupa com a credibilidade da moeda brasileira e com a digitalização da economia não deve esquecer esses assuntos. Por outro lado, vale a pena redirecionar as críticas para outros alvos.

Hoje, conforme argumentei acima, quem trabalha contra a digitalização da economia não é o Banco Central com sua nota de R$ 200. Essa crítica é muito mais válida se direcionada a Paulo Guedes e sua tara pela criação de um novo imposto de transações.

A digitalização da economia depende de uma equivalência entre o uso de meios de pagamento digitais e o uso de papel-moeda. Ao insistir na criação de um imposto sobre transações financeiras, Guedes promete tributar o brasileiro que deposita o valor de uma pizza na conta de um amigo depois de jantar com ele. Assim, o ministro trabalha ativamente para que o uso de papel-moeda prevaleça sobre meios de pagamento digitais.

Com relação à credibilidade do real, as críticas deveriam se destinar a quem defende uma política fiscal leniente e pouco preocupada com a dívida pública, assim como quem defende a queima de reservas internacionais para estimular a economia. Do Congresso ao governo, passando pelas páginas de grandes jornais, é fácil encontrar quem mereça essa crítica. Se o real perder a credibilidade alcançada nos últimos anos, a culpa será de uma eventual política econômica irresponsável. A nota de R$ 200 é um detalhe neste contexto.

Não discordo das preocupações de quem defende uma maior digitalização da economia e a manutenção de uma moeda confiável. Discordo apenas do modo como essas pessoas tem aplicado suas preocupações à realidade.

Ao invés de combater a cédula do lobo-guará, faz mais sentido voltar nossa atenção às raposas de Brasília – incluindo Paulo Guedes e a oposição – que realmente trabalham contra o futuro do real (e, consequentemente, do Brasil).

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.