Os micos da Bolsa em 2019, e o que esperar deles agora

No Brasil, ações de empresas como Braskem, CVC e Embraer lideraram as baixas do Ibovespa; no exterior, desempenho de Uber e Lyft frustrou investidores

Ana Paula Ribeiro

SÃO PAULO – Ainda que 2019  tenha sido um ano bom para o mercado de ações, com o Ibovespa fechando com alta de 31,6% e em patamar recorde, alguns papéis tiveram desempenho bem aquém da média de mercado.

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Analisar o que levou essas ações a desapontar pode ajudar a entender se elas devem reverter ou não suas tendências ao longo de 2020.

Vale lembrar que alguns dos papéis que subiram muito em 2019 haviam caído no ano anterior. Foi o caso, por exemplo, das ações da Via Varejo (VVAR3), que valorizaram 154% em 2019 depois de haver perdido 45% em 2018.

O InfoMoney listou alguns dos principais “micos” da Bolsa brasileira no último ano – e também as decepções do mercado internacional. Confira:

Braskem, CVC e Embraer

Entre as empresas que fazem parte da Ibovespa, as três maiores baixas foram as da petroquímica Braskem (BRKM5), da operadora turística CVC (CVCB3) e da fabricante de aviões Embraer (EMBR3).

André Alírio, economista da corretora Nova Futura, ressalta que casos em que ações têm um desempenho muito pior do que o do índice são justificados por questões internas. Os papéis da Braskem caíram 37% em 2019, enquanto as da CVC desvalorizaram 28% e os da Embraer tiveram baixa de 9%.

“A Braskem está com uma piora nos resultados operacionais por conta da desvalorização do real, e não ganhou mercado. Além disso, sofreu com as questões societárias, com a recuperação judicial de um dos sócios”, explica Alírio, alertando que é sempre importante analisar quem são os sócios de uma empresa.

A Braskem é controlada pela Petrobras e pela Odebrecht, que só deve ter seu plano de recuperação judicial aprovado no fim de janeiro. As ações da petroquímica tiveram ainda uma forte deterioração a partir de junho de 2019, quando a holandesa Lyondell desistiu de comprar a parte da Odebrecht na Braskem.

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No caso da CVC, Alírio assinala que, embora a companhia não enfrente problemas societários, está inserida em um setor em transformação e passou a sofrer com a concorrência de agências de turismo virtual.

“A CVC tem um custo caro e capital imobilizado por canto da rede física. Isso eleva o custo de captação dos clientes, diferentemente das concorrentes, que possuem uma estrutura mais leve. É um mercado em mudança”, avalia.

Em relação à Embraer, Carlos Daltozo, responsável pela área de análise de renda variável da Eleven Financial, avalia que o problema foi a aquisição da divisão de jatos comerciais por parte da Boeing.

“A aquisição colocou uma série de incertezas sobre a Embraer, que fez com que ela ficasse aquém do restante do mercado”, diz.

A expectativa é que os papéis da Braskem se recuperem com a evolução do processo de recuperação judicial da Odebrecht. No caso da Embraer, a redução das incertezas em torno da parceria com a Boeing também pode ajudar o papel.

Já para a CVC, explica Alírio, da Nova Futura, o maior problema continua sendo a transformação do mercado de turismo e o aumento da concorrência.

Ação em alta pode esconder riscos

Luiz Guilherme Dias, sócio fundador da consultoria de análise de balanços Sabe Invest, destaca que a variação das ações não pode ser o único fator a ser considerado para saber se uma empresa foi bem ou mal em determinado período.

Em um levantamento com 340 ações negociadas na Bolsa, Dias identificou empresas que apresentam variação positiva no ano, porém com maior volatilidade e indicadores financeiros considerados frágeis.

Nessa situação, a Gol (GOLL4) é a companhia com as piores ações, segundo Dias. Os papéis acumularam uma alta de 46,6% no ano passado, mas a empresa está com um patrimônio líquido negativo de R$ 7,6 bilhões. Isso significa que a companhia tem prejuízos acumulados que superam seu patrimônio, o que a faz ser dependente de empréstimos para continuar operando.

“Esse número mostra que a situação econômico-financeira está muito ruim, e não é de agora. Os prejuízos foram se acumulando e hoje, se vender todos os ativos, a Gol não consegue pagar toda a dívida”, diz.

Outro caso semelhante é o da Taurus Armas (TASA4), que não faz parte do Ibovespa. As ações tiveram alta de 47,9% em 2019, mas a fabricante de armas também possui patrimônio líquido negativo, com uma dívida equivalente a nove vezes o seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).

Essa relação é um indicador que aponta o nível de alavancagem de uma empresa que, no caso da Taurus, é elevado, agravado pelo fato de a maior parte da dívida estar relacionada à variação do dólar.

“Quem escolhe uma companhia como essa não está fazendo um investimento, mas uma aposta. É para quem quer ganhar no curtíssimo prazo e não está interessado na governança ou na sustentabilidade da empresa”, pontua Dias.

IPOs nos Estados Unidos

A maior liquidez nos mercados também contribuiu para os recordes nas Bolsas americanas, além de incentivar ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) bilionárias.

No entanto, alguns grandes nomes acabaram por frustrar os investidores e acumulam forte queda nos primeiros meses de negociação.

O caso mais conhecido é o do aplicativo Uber. Em maio, a companhia fez seu IPO na Bolsa de Nova York e cada papel saiu valendo US$ 45. A conjunção de desempenho operacional ruim, o adiamento da busca por rentabilidade e a venda de ações por parte do fundador, contudo, fez o papel perder valor e terminar o ano a US$ 29,74, uma queda de 33,9%.

“Após a abertura de capital, a Uber deixou a lucratividade em segundo plano. O projeto era atingir o lucro em 2020 e agora o horizonte passou a ser 2021. Isso cansou um pouco os acionistas”, diz William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue, localizada em Miami.

Além da frustração por parte dos investidores, houve ainda uma forte pressão de venda. Travis Kalanick, fundador do aplicativo de transporte urbano, vendeu grande parte das ações que detinha da empresa após o final do prazo de bloqueio, chamado de “lock-up”.

Esse instrumento impede que sócios de uma empresa, em geral aqueles com uma participação mais significativa, se desfaçam de seus papéis logo após o IPO. No caso da Uber, o prazo era de seis meses, vencidos em novembro, quando Kalanick vendeu quase todas as suas ações.

Destino similar teve a concorrente a Lyft, que fez o IPO em março. Desde então, as ações desvalorizaram 39,6% e fecharam 2019 cotadas a US$ 43,02.

Há também o caso de empresas que terminaram o ano com a cotação de suas ações em linha com o valor do IPO. Esse é o caso da Pinterest, rede social para o compartilhamento de fotos.

A queda desde a abertura de capital, em abril, foi de apenas 1,9%, com o papel cotado a US$ 18,64. No entanto, terminou bem longe da máxima registrada, em agosto, quando chegou a US$ 36,56 – de lá para cá, a queda foi de 49%.

“A Pinterest conseguiu convencer os investidores de que tinha um modelo de negócios diferente, em que seria uma vitrine muito maior do que o Instagram. Mas, quando saíram os resultados, os investidores viram que a lucratividade também estava em segundo plano. Assim como com Uber e Lyft, eles cansaram de comprar prejuízos”, avalia Alves, da Avenue.

Esses IPOs frustrados deixaram os investidores americanos mais cautelosos e, por essa razão, algumas ofertas acabaram sendo suspensas. Esse foi o caso da empresa de compartilhamento de escritórios WeWork, que planejava fazer a abertura de capital em setembro.

“Uber e Lyft fizeram os investidores ficarem mais céticos com novos modelos operacionais, o que acabou afetando a WeWork. Muitos também se decepcionaram com a opção feita pela WeWork de ter duas classes de ações, o que garantiria certo privilégio ao fundador”, explica Marink Martins, consultor da corretora MyCap.

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Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney